Brasileiros estudam drogas psicodélicas para tratar depressão e dependência química, administradas em ambientes clínicos e com supervisão
Foto: BBC News Brasil
“Sou hoje (semanas depois da primeira experiência) um homem mais desamarrado, sobretudo bem mais livre de mim mesmo […] Livrei-me de algumas túnicas da minha fantasia, quase todas depressivas. Despertei certa manhã de domingo, muito mais curioso do universo e muito menos angustiado pela catástrofe humana. Existir ficou um pouco menos difícil.”
O trecho acima é parte de uma série de crônicas em que o escritor Paulo Mendes Campos (1922-1991), um dos mais importantes nomes da literatura brasileira, relatou suas experiências com o LSD (dietilamida do ácido lisérgico), uma substância psicodélica hoje proibida.
Em 1962, quando participou dos testes, a droga estava sendo explorada e pesquisada pela ciência e pela medicina. Poucos anos depois, o LSD e outras substâncias psicotrópicas foram proibidas e criminalizadas praticamente no mundo todo, interrompendo os estudos científicos sobre o potencial dessas drogas.
Nos últimos anos, no entanto, as pesquisas com as drogas psicotrópicas, também chamadas simplesmente de “psicodélicos”, renasceram como uma possibilidade de tratamento eficaz para patologias que têm se mostrado difíceis de tratar: depressão, ansiedade, dependência química, transtorno de estresse pós-traumático, entre outras. E, mais uma vez, cientistas brasileiros estão na vanguarda dos estudos nessa área.
Médicos, psiquiatras, neurocientistas, psicólogos e terapeutas do país estão pesquisando os efeitos positivos de substâncias sintéticas, como LSD e MDMA, mas também algumas que têm origem na natureza, como ibogaína, psilocibina e ayahuasca.
Nas últimas semanas, a BBC New Brasil conversou com alguns deles para entender o que vem sendo estudado, qual o potencial dos psicodélicos e como eles podem ser usados por pacientes e médicos brasileiros.
MDMA e estresse pós-traumático
Um dos pesquisadores é o neurocientista Eduardo Schenberg, diretor do Instituto Phaneros. Neste ano, ele publicou um estudo sobre uso psiquiátrico de MDMA (metilenodioximetanfetamina), em parceria com uma entidade americana que também pesquisa essas drogas.
O neurocientista Eduardo Schenberg fez um estudo clínico com MDMA. Foto: BBC News Brasil
No mercado ilegal de drogas, o MDMA já teve dezenas de apelidos, como ecstasy e molly, e é usado principalmente por jovens em festas e baladas — também é conhecido como “a droga do amor”, por sua capacidade de gerar empatia.
No tráfico, as substâncias são produzidas sem controle de qualidade: já foram apreendidas centenas de tipos diferentes de ecstasy, grande parte deles sem nenhuma molécula de MDMA.
Já o composto puro, sem acréscimo de elementos que podem fazer mal à saúde, é considerado seguro e não causa grandes efeitos colaterais — no máximo, dor de cabeça e no maxilar, náusea, inquietude e uma angústia temporária.
No ensaio, Schenberg utilizou a droga em três pacientes diagnosticados com transtorno de estresse pós-traumático (Tept), cujo gatilho, em geral, são experiências de violência extrema, como abuso sexual, tiroteios, sequestros, morte repentina na família e, hoje, até a covid-19.
“O transtorno causa um medo paralisante: a pessoa tem pesadelos recorrentes, ataques de pânico, palpitações, desespero, raiva. Para lidar com isso, ela reprime as emoções, pois não consegue falar sobre o trauma. Algumas vivem num estado de anestesiamento, sem propósito. Esse transtorno tem uma taxa alta de suicídios”, diz o neurocientista.
Os três pacientes passaram por uma terapia assistida por drogas psicodélicas de quatro meses. Foram 15 consultas de 90 minutos cada uma, sob supervisão de dois terapeutas, mas em apenas três delas houve uso de MDMA, com quantidade escalonada. Nessas consultas, o paciente ouve música e é estimulado a ficar introspectivo, em contato com seus sentimentos e memórias. Mas ele também pode dialogar com os terapeutas sobre o que está sentindo.
Dois dos participantes ficaram curados do transtorno, segundo o pesquisador. O terceiro melhorou muito, mas ainda precisa continuar se tratando. “Os resultados no Brasil foram espetaculares, muito parecidos com o que vem sendo observado no exterior. As estatísticas mostram que dois terços dos pacientes saem do tratamento curados”, diz.
Nesse contexto, o MDMA surge como uma possibilidade efetiva de melhorar o transtorno. Hoje, a medicação tradicional consegue tratar apenas sintomas secundários, como ansiedade, depressão e insônia. Já a terapia com MDMA propõe justamente o contrário: ela busca curar o trauma em si.