Em mais uma conversa gravada, com autorização da Justiça, entre um traficante e um policial do 7º BPM (São Gonçalo), na Região Metropolitana do Rio, um PM orienta o bandido a roubar para garantir o dinheiro e assim pagar a propina que devia aos policiais.
A informação foi divulgada com exclusividade pelo Jornal Nacional.
No batalhão de São Gonçalo, o roubo era autorizado pelo policial. Nos diálogos obtidos pela reportagem o policial quer o dinheiro da propina e manda o traficante dar um jeito para consegui-lo: roubar carro e moto na rua.
*Policial: Oi.
*Traficante: Fala, que, tipo assim, (inaudível) ligou aqui para pegar o resto do dinheiro, tá ligado?
*Policial: Então paga ‘os canas’, filho, tem que pagar, mano. Paga eles. Amanhã o plantão é suave ou é brabeza, mano?
*Traficante: Amanhã é suave.
*Policial: Parceiro, bota alguém para poder roubar alguma coisa na rua, tá ligado, para cobrir esse quinto real dos P2, parceiro. Solta esses pit bulls tudo pela rua aí, parceiro.
*Traficante: “Demorô”.
*Policial: Entendeu? Solta eles pela rua aí. Se trouxer um Meriva aí tu me fala ou uma Ecosport, parceiro, entendeu? Porque eu vou querer. Um Meriva ou uma Ecosport, eu vou querer, valeu?
*Traficante: Já é.
*Policial: Só me interessa se for um desses dois.
*Traficante: Já é. “Demorô”.
*Policial: Ou se chegar uma moto XRE aí pode prender ela que eu vou pegar. Porque já venderam duas motos aí e não me deram nada, entendeu?
*Traficante: Já é.
*Policial: Solta essas p… Esses dias aí para poder fazer alguma arruaça aí. Mas não manda eles “matar” ninguém na rua não, hein?
*Traficante: Ah já é, mano.
*Policial: Já é.
Essa ordem de não matar era para evitar que o caso caísse nas mãos da Divisão de Homicídios (DH). No dia 2 de fevereiro deste ano, nove bandidos decidiram roubar um caminhão de carga na BR-101 (Niterói-Manilha), próximo à cidade de São Gonçalo.
O destino do dinheiro do roubo era um acerto entre traficantes e policiais militares. Só que os criminosos foram surpreendidos por um agente penitenciário que passava pela rodovia.
O agente João Alfredo Teixeira Neto desconfiou do roubo e atirou em um dos carros onde estavam os bandidos. Mas foi morto pelos traficantes que estavam em um segundo veículo mais à frente do caminhão.
No depoimento na delegacia, um dos bandidos disse que assaltou porque estava devendo R$ 5 mil a traficantes da favela Jardim Miriambi – e que esses traficantes também tinham uma dívida com os PMs.
“O assalto foi realizado porque o declarante estava devendo R$ 5 mil a traficantes do Jardim Miriambi, que a dívida tinha origem em um pagamento de propina a policiais militares”, revelou o traficante no depoimento à DH.
Em outra conversa, um policial pede R$ 3 mil para liberar um traficante preso e deixa claro que a polícia liberou o roubo de cargas na região.
Na linguagem usada pelos bandidos, caixa significa R$ 1 mil.
Policial: Três caixas. Agora! Manda o Formiguinha trazer. Como ele traz sempre, você sabe que com a gente é pureza, aí vem, vai trazer três caixas e a gente vai liberar os moleques. Se não vier, você fala assim: eu não tenho condição. Você vai falar isso, então, infelizmente, meu irmão, dessa vez, pelos papos “todo” que “foi” dado “torto” pra gente e não “cumpriu”, que foram dados pra gente e não cumpriu, de prometer coisa.
Pô, até carga a gente tá liberando, mano. p… Pra neguinho tirar a gente como otário?
Traficante: Não, mano. Não estou querendo tirar vocês como “otário” não, mano.
O juiz Alexandre Abraão, do Tribunal do Júri, que julga crimes contra a vida, se diz perplexo com as revelações da investigação. O magistrado afirma que essa era uma organização criminosa, armada, poderosa, estruturada para fazer o mal, buscar o lucro fácil e incutir temor nas suas vítimas, na sociedade e inimigos.
“Essas guarnições deveriam atuar no combate ao tráfico de drogas, mas, na verdade, eles se associaram aos traficantes formando uma verdadeira organização criminosa, na qual polícia e traficantes se confundiam”, conta o delegado Marcus Vinícius Amin.
A operação Calabar, deflagrada esta semana pela Polícia Civil e pelo Ministério Público estadual do Rio prendeu 80 policiais e 22 traficantes. A ação ainda desfalcou os batalhões de São Gonçalo e de Niterói. Para não colocar em risco a segurança das duas cidades, o comando da Polícia Militar destacou 66 PMs que trabalhavam em Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) do Rio de Janeiro.
Fonte: Robson Pires