O Brasil vive uma violenta guerra civil disfarçada. E isto não apenas pela violência rasteira que ceifa centenas de vidas e molesta o patrimônio das famílias e empresas diariamente, mas, sobretudo, pela atuação de milícias armadas com artefatos de guerra e de alto poder de destruição (fuzis de assalto, metralhadoras calibre 50, uso de dinamite e outros explosivos etc.) que, aliás, superam em muito qualquer capacidade de reação das forças de segurança (instituições de polícia militar e de polícia judiciária) mantidas pelos Estados e Distrito Federal, além das empresas de segurança privada.
A enorme crise fiscal que ora se abate sobre as unidades federativas mais ainda tem precarizado o financiamento das atividades das forças de segurança estaduais, impedindo-lhes de adquirir os bens imprescindíveis (instalações prediais, veículos, armamentos, equipamentos de comunicação, melhoria do apoio logístico etc.) às operações policiais, ademais da possibilidade de manter um fluxo de recrutamento de pessoal, além da capacitação continuada desses recursos humanos.
Com efeito, nas organizações policiais são os recursos humanos que compõem as suas carreiras a espinha dorsal desses sistemas, embora este não seja efetivamente o pensamento preponderante das autoridades gestoras dos Estados e Distrito Federal.
Mesmo o Departamento de Polícia Federal (DPF), hoje uma das mais eficientes polícias do mundo, tem ficado equidistante do olho desse furacão de violência multiforme que grassa em todos os recantos do país, deslocado que tem sido para uma atuação midiática e pontual no combate à corrupção.
A população está amedrontada e sem nenhuma capacidade de reação, inclusive porque despida da condição de autodefesa decorrente das dificuldades de acesso civil às armas de fogo.
No entanto, para manter o foco da questão a ser trazida nesta reflexão, que é o crescimento dos bandos armados e de grande poder de fogo, verdadeiras, poderosas e cada vez mais agressivas milícias combatentes, abstraiam-se as mazelas já relatadas acima, en passant.
Sem embargo, é urgente uma tomada de posição do Estado brasileiro diante das ações generalizadas de explosão de caixas eletrônicos bancários, agências bancárias, agências dos Correios, assaltos a carros fortes e empresas privadas de guarda e transporte de valores, realizadas por essas milícias que, aliás, começam a atuar nas regiões de fronteiras do Sul brasileiro, a exemplo do mega assalto que se realizou recentemente em Ciudad del Este, Paraguai, quando a sede local da empresa Prosegur foi invadida por cerca de 40 bandidos fortemente armados e dali deparam 40 milhões de dólares norte-americanos.
Esse é uma versão agravada do problema.
Grave é que inúmeras cidades do interior deste Brasil continental estão privadas de suas agências bancárias porque as milícias fortemente armadas aterrorizam as populações locais, desmoralizam os modestos aparelhos de policiamento local e geram, por algumas horas, um estado de anomia, ou seja, um território sem lei, sem Estado, em que populações inteiras ficam à mercê de malfeitores.
As funções institucionais das Forças Armadas federais – Exército, Marinha e Aeronáutica – são fundamentalmente para proteger nossa nação de agressões externas.
Contudo, ao Exército brasileiro é cometida a competência de fiscalização de produtos controlados, a cargo de um órgão denominado Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados (SFPC), de modo que uma empresa que utilize a dinamite (explosivo de alto poder energético) para suas atividades deve seguir critérios de armazenamento e uso prescritos em regulamentos cujo controle cabe justo ao Exército brasileiro, sem dúvida uma das instituições mais importantes do Estado brasileiro.
Toda fabricação e venda de explosivos para fins industriais, armas e munição, sua importação e exportação, o uso desses artefatos para prática esportiva, tudo é fiscalizado pelo SFPC.
No entanto, o que tem ocorrido é a proliferação de bandos que assaltam e amedrontam cidades, inclusive capitais, com destruições de caixas eletrônicos, empresas privadas de guarda e transporte de valores, sem que as forças de segurança estaduais possam enfrentá-las, mesmo porque destituídas dos recursos bélicos para tanto: esses bandos criminosos, verdadeiras milícias dotadas de armamentos somente equiparáveis aos das Forças Armadas brasileiras, devem ser enfrentados por quem lhes tenham “paridade de armas”.
E os crimes que cometem, alguns cinematográficos até, utilizam artefatos explosivos e equipamentos bélicos cujo controle está na competência do SFPC/EB.
Por isso é que o Exército brasileiro, numa exceção, deve ser autorizado a atuar no plano interno, para enfrentar e desbaratar esses grupos que tanto desassossego têm causado à população, sobretudo, por denotar ausência do Estado numa perigosa omissão.
O modelo dessa atuação, inclusive os seus limites, deve ser formatado pelo Congresso Nacional, de modo a preservar o equilíbrio federativo, além da necessária integração com os organismo de segurança pública da União (Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal) e dos Estados e Distrito Federal (Polícias Militares e Polícias civis). Nessa hipótese, não há qualquer impedimento constitucional ou legal.
Basta ver o que reza o artigo 142, da Constituição: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Para que não reste dúvidas quanto ao que se afirma aqui, nada a ver com o besteirol de pedir o retorno dos militares ao poder, da volta da ditadura ou coisa que o valha, como parcela da classe média tem bradado em manifestações públicas e nas redes sociais. Portanto, a atuação das Forças Armadas, em especial do Exército brasileiro, no combate a essas organizações criminosas se daria inteiramente segundo a letra da Constituição, para garantia da lei e da ordem, das instituições jurídico-políticas enfeixadas no Estado Democrático de Direito.
Curioso é que o lema do Exército Brasileiro é “braço forte – mão amiga”. Fiquemos com o primeiro termo dessa equação. Essa pode ser umas das formas de restaurar a autoridade do Estado brasileiro e a autoestima de seu povo. Então, que venha esse “braço forte”!