Denúncias do auditor fiscal federal agropecuário Daniel Gouvêa Teixeira de que carnes estragadas e fora de padrão eram vendidas por frigoríficos da região de Curitiba foram a origem da Operação Carne Fraca, deflagrada nesta sexta-feira (17), na qual funcionários do governo e de grandes empresas do ramo foram presos.
O auditor afirma que só conseguiu investigar as fraudes, em 2014, porque foi afastado de atribuições pelos chefes da Superintendência Federal da Agricultura no Paraná. Ele diz que essa era uma prática comum com profissionais que fiscalizaram as empresas corretamente e incomodavam o esquema.
“A minha ex-chefe [Maria do Rocio Nascimento] tinha me tirado atribuições.
Então, eu tive mais tempo para fiscalizar melhor os frigoríficos. A gente tem, geralmente, cinco, seis ou sete frigoríficos para cuidar. É impossível fazer um bom trabalho com esse número. Como sou mais criterioso e as empresas reclamavam de mim, eu fiquei só com dois, por retaliação. Foi aí que me debrucei em toda a pesquisa da fraude”, conta ao G1.
Maria do Rocio do Nascimento, chefe do Serviço de Inspeção de Produto de Origem Animal (Sipoa) em Curitiba, presa nesta sexta-feira, é considerada a líder do esquema de fraudes pela polícia.
Teixeira diz que analisou o estoque dos frigoríficos Peccin Agroindustrial Ltda./Italli Alimentos, na Cidade Industrial de Curitiba (CIC), e Souza Ramos Ltda., de Colombo, ambas citadas na investigação da Polícia Federal (PF). Até a publicação desta reportagem, as empresas não haviam se pronunciado sobre as denúncias.
O auditor afirma ter notado, durante as fiscalizações, que dezenas de carretas carregadas com carne mecanicamente separada – cartilagens e carcaças de frango moídos utilizados para substituir a “carne suculenta” – constavam a mais nas planilhas dos frigoríficos.
“A conta não fechava. O erro, se fosse um erro de compras, teria sido um erro em torno de 47 carretas de 27 toneladas [o que equivalente a 1.269 toneladas]. Era um absurdo. Nenhuma empresa erraria isso. Foi aí que comecei a duvidar e investigar”, conta.
A carne mecanicamente separada custa quase a metade do que a carne com padrão aceito pelo Ministério da Agricultura e tem muito mais gordura e água, o que pode causar graves doenças, a longo prazo, de acordo com o auditor. Há um limite para que esse tipo de alimento seja usado, o que era totalmente descumprido no caso de Peccin e Souza Ramos.
“Com o custo bem abaixo do que outros, as empresas que se utilizavam desse método concorriam desigualmente e ganhavam licitações, além de terem muito mais vantagem nas vendas nas gôndolas de mercados, por exemplo”, explica o denunciante.
A partir disso, com o decorrer das investigações, o fiscal narra ter percebido outros indícios de crimes: a quantidade de carne moída era muito baixa e as máquinas eram adaptadas para fraudar as carnes.
Foi quando Teixeira decidiu denunciar o que via à polícia. O fiscal conta que, ao longo das fiscalizações, o que mais lhe chocou foi ver a compra, preparo e venda de carnes estragadas, “verdes”, como ele próprio descreve.
“Ouvi relatos de funcionários que utilizavam carnes verdes, podres. Esses produtos eram limpos com ácido sórbico, para esterilizar, e vendidos. Isso é desumano. É uma deslealdade tremenda”. O ácido sórbico, encontrado no frigorífico Peccin, tem substâncias comprovadamente cancerígenas, diz a investigação.
*G1