Ao segurar reajustes de tarifas
públicas, como combustíveis, energia elétrica, pedágios e transportes em
geral, com a ajuda dos governos estaduais e municipais, o governo armou
uma bomba-relógio, que poderá explodir no ano que vem ou no começo de
2015, já no governo do próximo presidente. Na avaliação de especialistas
ouvidos pelo GLOBO, a interferência artificial nos preços administrados
terá várias consequências no futuro: aumento da inflação, redução de
investimentos, queda na qualidade dos serviços prestados aos usuários e
aumento dos gastos do Tesouro para cobrir as defasagens sofridas pelas
empresas que prestam atendimento à população.
Para Alexandre Schwartsman, consultor e
ex-diretor do Banco Central, o efeito já está sendo sentido pela
Petrobras e pela prefeitura paulistana. Segundo ele, o resultado da
estatal brasileira de petróleo foi prejudicado pela política de
contenção do preço do combustível no mercado interno em relação ao
praticado no exterior. Ele também criticou a suspensão dos reajustes das
tarifas de ônibus, sob o argumento de que os custos para as prefeituras
crescerão de forma substantiva — caso de São Paulo que, conforme o
economista, pagará um preço de R$ 3 bilhões por ano.
— Não tem jeito: ou você compromete o dinheiro público, ou terá de dar um reajuste maior depois — disse Schwartsman.
De acordo com Fábio Silveira, da GO
Associados, no mês passado, o preço da gasolina no mercado interno ficou
16% abaixo da cotação externa. Na refinaria, o preço internacional
subiu 6%, em função da valorização do dólar, alcançando R$ 1,54 o litro.
Já o preço doméstico ficou em R$ 1,29 o litro. Também em junho, a
cotação do óleo diesel lá fora aumentou 8% em relação a maio, atingindo
R$ 1,65/litro, no Brasil o valor negociado foi de R$ 1,58/litro, o que
representa uma defasagem de 4%.
— Em face da pressão inflacionária
doméstica, eu diria que o governo vai torcer pela queda do preço do
petróleo. Não vejo, no momento atual, possibilidade de o governo
aumentar o preço da gasolina. Por outro lado, o preço do diesel não está
tão atrasado — comentou Silveira.
Conta da energia virá em 2014
Uma conta da economista Basilik Litvac,
da MCM, mostra que as últimas contenções de reajustes darão um
‘empurrãozinho’ para baixo no IPCA de 0,15 ponto percentual. Ela
acredita que uma saída para o governo, lá na frente, será negociar
reajustes menores com os setores envolvidos.
— Talvez a realização de acordos possa minimizar um eventual impacto negativo na economia — acrescentou.
Na área energética, se este ano o preço da tarifa não teve impacto no
bolso no consumidor e na inflação, esta conta vai ser paga em 2014, e
não será pequena. Segundo uma fonte do próprio governo, a grande maioria
das distribuidoras deverá dar reajustes de 6%, em média.
O ex-diretor da Aneel Afonso Henriques
Moreira classificou como uma manobra política o governo não ter
autorizado o aumento de 9,73% da Eletropaulo. Foram aplicados diversos
descontos ao consumidor e o índice caiu para 0,43%.
— No ano que vem, haverá outro malabarismo, porque será ano eleitoral — acredita ele.
José Júlio Senna, ex-diretor do BC e
chefe da área de estudos monetários da Fundação Getulio Vargas, também
criticou o que chamou de “irrealismo de preços”. Ele lamentou que o
governo esteja tratando a inflação de forma episódica e não permanente e
advertiu que esse tipo de procedimento tira credibilidade dos
condutores da política econômica brasileira.
— Quando as expectativas de inflação
saem do controle, ou seja, quando se desancoram, os choques a que toda
economia está sujeita adquirem efeitos mais permanentes — disse Senna.
José Roberto Afonso, pesquisador do
Instituto Brasileiro de Economia da FGV, lembrou que um dos cinco pactos
propostos pela presidente Dilma Rousseff é o da responsabilidade
fiscal. A questão, observou, é que o governo até o momento emite sinais
contrários e não explicou como funcionaria esse pacto.
— Esse pacto é importante para sabermos
como é que vai se tentar, no mínimo, atenuar os efeitos dessa bomba que
vai explodir. O governo está empurrando a poeira para debaixo do tapete,
mas haverá um momento em que faltará tapete para tanta poeira — disse.
O economista Joaquim Elói Cirne de
Toledo destaca que, se a inflação continua em torno de 6,5%, significa
dizer que os demais preços da economia sobem a um ritmo bem acima dos
preços administrados, em torno de 7,5%.
— Estamos fragilizando a situação fiscal. No fim da história a gente
sabe onde a corda arrebenta, que é na parte de investimentos públicos —
disse Elói.
O economista Armando Castelar lembrou
que, quando o preço da gasolina aumentar, o mesmo ocorrerá com o álcool.
Isso tudo terá impacto na inflação, o que reforça a necessidade de
melhorar as contas públicas. Ele lembrou ainda que o fim das
desonerações de tributos, adotadas para estimular o consumo, também
pressionará os preços daqui para frente.
— O que vejo, ao analisar a economia
americana e outros itens, é que a pressão sobre o real vai crescer. Essa
passagem da alta do dólar para os preços demora — comentou.
No caso dos pedágios na Via Dutra
(Rio/SP) e na Ponte Rio-Niterói, que tiveram o reajuste adiado, o
governo federal vai compensar as empresas pelas perdas. A fórmula é
ressarci-las em dinheiro ou prorrogar o prazo da concessão, segundo o
diretor-presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de
Rodovias (ABCR), Moacyr Duarte.
— Ano que vem é eleitoral. A ideia é esta, não acumular para 2014 — disse.
‘Alguém vai pagar mais por isso’
O superintendente da Associação Nacional
de Transportes Públicos (ANTP), Luiz Carlos Néspoli, disse que a
discussão sobre a redução das passagens de ônibus não é nova e já
aconteceu quando foi instituído o vale-transporte. Mas destacou que em
São Paulo 75% dos passageiros têm algum tipo de desconto, e em qualquer
política de redução tarifária o estado vai arcar com o ônus.
— Se não tem um novo imposto, os
recursos virão do Tesouro. Assim, não há como financiar e alguém da
sociedade vai pagar mais por isso. Os governos já estão retirando
investimentos previstos nos orçamentos, não tem almoço grátis — disse
Néspoli.
O GLOBO procurou o Ministério da Fazenda
e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para se
posicionarem sobre o adiamento das tarifas e as consequências futuras. A
Fazenda não respondeu e a ANTT informou que não iria comentar. Em
entrevista ao GLOBO, publicada no domingo (30/06), o ministro da
Fazenda, Guido Mantega, assegurou que não haverá quebra de contrato, ao
comentar o temor do mercado de que as manifestações populares possam
prejudicar os leilões de concessão por causa do medo dos investidores de
que o governo queira mudar contratos. “Nós não rasgamos contratos”,
disse.
Incertezas param investimentos
Na visão de analistas, quanto mais
incertezas em relação ao futuro, menos investimentos o país receberá.
Como consequência, os setores que prestam os serviços públicos ficam
impossibilitados de melhorar a qualidade oferecida. Felipe Salto,
economista da Tendências, prevê que o cancelamento do reajuste dos
pedágios vai gerar insegurança dos investidores nas próximas concessões.
— Um dos artigos do contrato de
concessão diz que o reajuste seria pelo IPCA. Ainda que a suspensão do
reajuste seja bancada pelo governo, o problema principal é a
deterioração das expectativas — disse Salto.
O mesmo pensa o economista Alcides Leite, da Trevisan Escola de
Negócios. Em sua opinião, há uma política de preços completamente
equivocada.
— Em algum momento isso vai estourar, a não ser que haja outra forma de remunerar esses itens com subsídios — ressaltou Leite.
Já Rafael Moraes, consultor financeiro e
perito em gestão empresarial, reforçou que o foco do governo está
equivocado. Para ele, a inflação não é um problema monetário, mas de
investimento.
— Nesse caso, não dá para combater a
inflação com política monetária. Existe um aumento da renda do
brasileiro com as políticas sociais, como salário mínimo e Bolsa
Família. No entanto, é preciso uma política industrial para atender a
essa demanda — completou Moraes.
Fonte: O globo