Cerimonialistas do luto têm missão de ressignificar a dor durante a pandemia

Ressignificar a dor: o trabalho de cerimonialistas do luto durante a pandemia — Foto: Divulgação

Ressignificar a dor: o trabalho de cerimonialistas do luto durante a pandemia — Foto: Divulgação

A pandemia do novo coronavírus transformou o modus operandi de velórios e sepultamentos. Em um país que tem o costume de se despedir e consolar uns aos outros com abraço, celebrações e rituais presenciais, agora é necessário lidar com distanciamento social, urnas fechadas, número restrito de pessoas presentes em cada cerimônia e o tempo limitado. Dar dignidade a este último ato da vida de quem parte e oferecer conforto à família e amigos na despedida são ofícios que Lucineide Taveira e Eugênia Macêdo, cerimonialistas do luto, realizam com dedicação. Com ouvidos atentos, elas conversam com as famílias para embasar textos que serão lidos no ato final das cerimônias, que passaram a ocorrer virtualmente.

Geralmente, as conversas ocorrem presencialmente, após a família resolver a parte burocrática da cremação ou do sepultamento. Agora, esses diálogos têm ocorrido também por telefone. As homenagens passeiam pelas memórias mais marcantes dos falecidos, seja algo simples ou até grandes conquistas, tudo que remeta à ideia de que alguém muito especial se despede.

De acordo com Eugênia Macêdo, ressignificar essa cultura de despedida faz com que o trabalho de cerimonialistas seja ainda mais complexo. “A falta de contato com as famílias enlutadas é um dos nossos maiores desafios, porque nós vemos as pessoas chorando muito, tristes e o que podemos fazer é oferecer um lenço e dizer ‘sinta-se abraçado’, sem poder abraçar ou sequer apertar a mão. Nessa rotina, todos os dias de trabalho vem com um novo aprendizado que levamos para as nossas vidas”, comentou a cerimonialista do Morada da Paz.

Lucineide Taveira conta que no início da pandemia teve medo do contágio pela Covid-19, mas isso não atrapalhou o trabalho. “No início sentimos medo, tivemos dúvidas, mas no decorrer dos dias eu lembrava que ser cerimonialista para mim é minha missão na terra. Eu precisava acolher e cuidar das famílias enlutadas e fazer o meu melhor para que elas, de certa forma, sentissem que se despediram dos seus entes de forma digna e confortante”, contou.

Para humanizar o serviço, as cerimonialistas também criaram murais personalizados para cada pessoa que partia. As famílias também puderam escolher músicas para o momento de sepultamento. “Ficamos pensando em várias formas de homenagear os entes que a família não conseguiu se despedir ou sequer ver, pois a urna era fechada. Então, essa foi a alternativa que encontramos. Inicialmente, fizemos murais de fotos apenas para os falecidos pela Covid-19, mas recebemos tantas mensagens de gratidão que hoje fazemos para todos. A cada final de atendimento, em que ouvimos das famílias um ‘muito obrigado’, que elas nos dizem que fizemos da dor um momento reconfortante, sabemos que cumprimos nosso objetivo”, relatou Lucineide.

Murais foram produzidos pelas cerimonialistas para tornar momento mais reconfortante para famílias — Foto: Divulgação

Murais foram produzidos pelas cerimonialistas para tornar momento mais reconfortante para famílias — Foto: Divulgação

Eugênia lembra que o trabalho diário é árduo, mas gratificante, pois trata os entes como pessoas que têm uma história. “Lidar com a morte nem sempre é fácil, muita gente acha que a gente se acostuma, mas não é bem assim. A gente olha para aquelas pessoas como pais, mães, avós, que tinham uma vida, que deixam família e amigos. Nossa profissão pede empatia. Quantas pessoas vimos ir a um sepultamento sem ver aquele ente, sem acreditar no que estava acontecendo e nós estivemos ali do lado, prontos para ajudar e mandando energias positivas”, disse.

*G1 RN

Postado em 9 de setembro de 2020