China estuda formas de aumentar a eficácia de suas vacinas contra a Covid

Foto: XINHUA/ZHANG YUWEI

A China admitiu pela primeira vez que considera alternativas para elevar a eficácia de suas vacinas contra a Covid-19, inclusive a Coronavac, imunizante mais usado Brasil.

Segundo Gao Fu, chefe do Centro Chinês para Controle de Doenças, “está agora sob consideração formal se devemos usar diferentes vacinas de diferentes linhas técnicas para o processo de imunização”. Ou seja, misturar a aplicação de seus fármacos com outros.

Outra alternativa é a de ajustar o intervalo entre as doses ou aumentar o número dela —todas as vacinas chinesas são aplicadas duas vezes. Segundo Gao, é preciso “resolver o problema de que a eficácia das vacinas existentes não é alta”.

O cientista falava durante uma conferência em Chengdu, no sábado. Segundo o jornal britânico Financial Times, diversos comentários em redes sociais chinesas acerca da fala foram censurados —a ditadura comunista controla de forma rígida a internet.

A Folha procurou Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, sócio do laboratório chinês Sinovac no desenvolvimento da Coronavac, para comentar o caso, mas ainda não obteve resposta.

A admissão deverá causar polêmica, mas não implica uma condenação das vacinas chinesas. Ao contrário: todas tiveram até aqui eficácia superior a 50%, o necessário para utilização em campanhas de imunização, e alta proteção contra casos sintomáticos da Covid-19.

As duas principais vacinas do país, a Coronavac e a Sinopharm, utilizam vírus inativados para estimular a resposta imune nos inoculados.

É uma tecnologia mais antiga e confiável, usada há décadas. Nos estudos em curso no mundo, ainda preliminares, ela mostrou a criação de uma taxa de anticorpos protetivos menor do que o atingido por novas técnicas.

As propaladas vacinas que usam RNA mensageiro para levar a proteína de ligação do novo coronavírus ao corpo do inoculado para gerar resposta imune, com as da Pfizer/BioNTech e da Moderna, têm eficácias relatadas de mais de 95%.

No estudo de fase 3 conduzido pelo Instituto Butantan, que ajudou a desenvolver a Coronavac e irá produzi-la localmente até o fim do ano, o fármaco atingiu 50,38% de eficácia global.

Mas preveniu 78% de casos leves e 100% de moderados e graves —embora no momento da divulgação, em janeiro, esse último dado fosse considerado estatisticamente insuficiente.

Há críticas também à falta de publicação de estudos de fase 3, a última antes da aprovação, em periódicos científicos. Nos Emirados Árabes Unidos, dados iniciais falavam em eficácia de 86% da Sinopharm, mas o país está testando a aplicação de uma terceira dose dela para aumentar sua ação.

As comparações diretas servem a debates políticos, em especial no ambiente de Guerra Fria 2.0 vigente entre Estados Unidos e China, mas são complicadas do ponto de vista científico. Cada ensaio com vacinas tem características próprias, com grupos populacionais diferentes e metodologias específicas.

Estudo preliminar feito pelo grupo de pesquisadores Vebra Covid-19 com 67 mil trabalhadores de saúde de Manaus mostrou que a Coronavac teve eficiência de 50% contra a virulenta variante P.1, e isso após 14 dias só da primeira dose.

No Chile, foi apontada uma diminuição da internação e dos óbitos de pessoas com mais de 70 anos. Por outro lado, o país enfrenta um repique de casos e pesquisadores especulam que isso possa ter a ver com menor eficiência ante novas variantes do vírus.

Tudo isso é natural. A pandemia tem pouco mais de um ano, e já há campanhas de vacinação na maioria dos países do mundo. Tal velocidade traz ajustes obrigatórios ao longo do caminho.

Um caso exemplar é o da vacina da AstraZeneca/Universidade de Oxford, a outra em uso no Brasil. Com milhões de vacinados, surgiram relatos de casos raros de problemas de coagulação, alguns fatais.

Isso levou países europeus a suspenderem a distribuição do imunizante até que as autoridades de saúde chegaram à conclusão de que os riscos são muito pequenos ante as vantagens —basta ler qualquer bula de remédio para notar que isso é norma.

O próprio Butantan tratou de desenvolver uma nova vacina, a ButanVac, feita em parceria com um consórcio internacional.

O instituto prevê que ela, que aguarda autorização para testes clínicos em seres humanos, será mais eficiente contra a Covid-19 do que a Coronavac por ser de uma segunda geração de imunizantes.

A discussão sobre intervalos de dosagem ocorre em todo o mundo, e o Reino Unido testa a mistura da vacina de Oxford em uma dose com o imunizante russo Sputnik V em outra. O fármaco europeu usa um adenovírus que causa gripe em macacos como vetor e o da Rússia, um adenovírus humano.

De toda maneira, a fala de Gao Fu é bastante inusual, ainda mais vinda de uma autoridade chinesa. O país tem apostado fortemente na diplomacia da vacina, firmando acordos diversos de fornecimento de seus imunizantes —a Coronavac é a principal vacina em uso no Brasil, Turquia, Indonésia e Chile, por exemplo.

Apesar dessa ofensiva, com 40 milhões de vacinas exportadas ou doadas a 20 países, Pequim passou a priorizar mais recentemente seu público interno, o que levou a preocupações sobre a exportação de suas vacinas.

O caso brasileiro é diferente porque para cá os chineses vendem o insumo para a produção local no Butantan, não as doses prontas, e uma fábrica local está em construção para dar independência ao país.

O instituto paulista entregou 38,5 milhões das 46 milhões de doses encomendadas pelo Ministério da Saúde até abril. Sete em cada dez vacinados no Brasil receberam a Coronavac.

A China já vacinou, segundo dados do site Nosso Mundo em Dados, ligado à Universidade de Oxford, 161,1 milhões de pessoas.

O país não informa quantos receberam duas inoculações, mas como é o mais populoso do mundo, isso dá apenas 12 doses por 100 habitantes —percentual semelhante ao do Brasil. Israel lidera o ranking mundial, com 115 doses por 100 habitantes.

*FolhaPress

Postado em 11 de abril de 2021