Cientistas esperam ter remédios anticovid até 2022; Brasil inicia testes nos próximos meses

Foto: reprodução/CNN Brasil

Laboratórios farmacêuticos já testam em seres humanos medicamentos que prometem tratamento eficaz contra a doença. As gigantes internacionais Pfizer, MSD e Roche são as mais adiantadas. Desenvolvem antivirais de uso oral. A Boehringer Ingelheim investe em um tratamento com anticorpos monoclonais. No Brasil, dois soros, um do Instituto Butantan e outro do Instituto Vital Brazil, devem começar a ser testados em pacientes nos próximos meses. Calcula-se que alguma dessas drogas já esteja disponível até o início de 2022.

Os principais objetivos das novas terapias são reduzir as internações e as mortes causadas pela doença. Diferentemente de antibióticos, que em geral podem ser usados contra vários tipos de infecções bacterianas, os medicamentos contra um tipo de vírus dificilmente funcionam no combate a outros. A dificuldade de desenvolver um antiviral de amplo espectro é que os vírus são muito mais diversos do que as bactérias. Além disso, eles têm menos proteínas próprias em comum que possam ser usadas como alvo genérico das drogas.

Para um remédio funcionar, ele precisa atingir um “alvo” – geralmente, uma proteína. Isso é particularmente difícil com os vírus. O motivo é que eles se replicam dentro das células humanas. Assim, fazem os mecanismos celulares trabalharem a favor deles. Para ser eficaz, o medicamento precisa entrar nas células infectadas e atacar o vírus. Mas deve fazê-lo sem destruir seu hospedeiro.

Alvejar o vírus antes que entre na célula é outra estratégia possível. Mas também não é muito simples. O invólucro do vírus é extremamente robusto. Dessa forma, protege o seu material genético. Mas destruir esse invólucro e expor esse material pode ser tóxico ao organismo humano. Outro problema é que enquanto as drogas demoram muito tempo para serem desenvolvidas, os vírus sofrem mutações muito rapidamente. Podem, portanto desenvolver resistência aos medicamentos.

Ainda assim, existem vários antivirais eficazes – contra o HIV, o vírus influenza e a hepatite C, por exemplo. O mesmo está sendo tentado agora contra o SARS-CoV-2.

Três projetos estão mais avançados, já em fase de testes em seres humanos. Um deles é o da MSD em associação com a empresa de biotecnologia Ridgeback Biotherapeutics. O composto se chama molnupiravir. Foi inicialmente desenvolvido contra a SARS e a MERS. Em estudo de fase 2, o medicamento foi bem tolerado em seres humanos. Foi tomado na forma de comprimido duas vezes ao dia durante cinco dias.

A ideia é que o medicamento atue no início da infecção, quando os primeiros sintomas surgem. O objetivo é impedir a replicação do vírus, para evitar o agravamento e a necessidade de internação. A terceira fase dos testes já está começando. Envolverá mais de mil pessoas em 18 países, entre eles o Brasil. A MSD espera já ter os primeiros resultados entre setembro e outubro.

“Os dados destes estudos fornecem evidências convincentes para a atividade antiviral do molnupiravir”, afirmou a diretora médica da MSD no Brasil, Márcia Abadi. “Um dos nossos objetivos é reduzir as internações pela doença – o que no Brasil é absolutamente importante por conta do colapso hospitalar que estamos vivenciando – e também reduzir a mortalidade dos pacientes.”

Outro projeto é da farmacêutica Roche em parceria com a Atea Pharmaceuticals. O medicamento também oral está sendo testado em 1.400 pessoas na Europa e no Japão. Os resultados também devem estar disponíveis até o fim deste ano, para aprovação dos órgãos reguladores. Como o da MSD, esse remédio deve ser tomado no início da infecção por cinco dias.

Já o medicamento oral em desenvolvimento pela Pfizer foi chamado de PF-07321322. É um inibidor de protease (espécie de enzima), como os usados contra o HIV. Foi desenvolvido especificamente contra o SARS-CoV2. Também já está sob testes em seres humanos. Os primeiros resultados são esperados até o fim deste mês. O objetivo deste medicamento também é impedir que a doença se agrave. Deve ser administrado no início da infecção.

Outra vantagem desses antivirais é que eles poderiam ser usados também na prevenção da doença. Por exemplo, por pessoas que tenham tido contato com algum infectado.

Atualmente, o remdesivir, da Gilead, é o único medicamento aprovado para uso no tratamento da covid. É ministrado por via venosa (injetado no sistema circulatório) e somente em pacientes internados em hospitais. São doentes que estão em estado mais grave, e os resultados não muito animadores. Especialistas acreditam que a administração precoce dos novos medicamentos pode ser essencial para impedir o avanço da covid.

Cientistas testa anticorpos artificiais e naturais

A Boehringer Ingelheim tenta outra abordagem. Trata-se da produção de anticorpos monoclonais (fabricados em laboratório, a partir de células vivas).

“Quando pensamos em tratar uma infecção viral existem duas estratégias: agir diretamente no vírus, nas proteínas que auxiliam na replicação viral, ou impedir o vírus de entrar na célula”, explicou a diretora médica da Boheringer, Thais Gomes de Melo. “Neste último caso, usamos os anticorpos monoclonais.”

Os cientistas identificaram no plasma de pacientes com covid anticorpos específicos que atuam na proteína S do vírus, que produz a sua entrada na célula. Esses anticorpos foram replicados sinteticamente em laboratório para o desenvolvimento do tratamento. No caso do produto da Boheringer, a administração será por inalação. O processo garantiria concentrações mais altas no pulmão do paciente. Os testes de fase 3 em seres humanos começam em setembro em 40 países, inclusive no Brasil.

No Brasil, o Instituto Butantan, em São Paulo, e o Instituto Vital Brazil, no Rio, desenvolveram soros contra o novo coronavírus que podem ser aplicados também tão logo o paciente apresente os primeiros sintomas. Os soros são feitos a partir do isolamento de anticorpos desenvolvidos por pacientes contra o SARS-CoV-2 e de sua replicação em modelos animais – cavalos, por exemplo. Esses anticorpos naturais concentrados formam o soro que vai dar armas ao paciente para lutar contra a infecção. São diferentes dos anticorpos monoclonais, que são sintéticos e desenvolvidos para alcançar um alvo específico do vírus. Os dois institutos se preparam para o início dos testes em seres humanos.

“O que a virologia nos ensinou nos últimos quarenta anos é que com esses vírus de alta mortalidade, os coquetéis costumam ser mais eficientes do que apenas uma droga; é o que acontece com o HIV e com o vírus da hepatite C”, explicou o virologista Thiago Moreno, da Fiocruz, cujo laboratório estuda o reposicionamento de alguns antivirais usados nesses coquetéis para o tratamento da covid-19. “Acho muito difícil que um único medicamento seja capaz de curar a covid. Mas acho que uma ambição que dá para almejar é uma redução das internações e da mortalidade. Acho que esse é o grande desafio a curto prazo.”

*Estadão Conteúdo

Postado em 3 de junho de 2021