Cortez Pereira, o injustiçado…

O dia 21 de fevereiro marcou os dez
anos de morte do ex-governador Cortez Pereira (1971 a 1975), um dos mais
criativos e dinâmicos governantes do Rio Grande do Norte. Convocou para
ajudá-lo na tarefa de administrar o estado os melhores quadros técnicos disponíveis
na província, provenientes, principalmente, da UFRN. Pensou grande no
desenvolvimento do RN, quebrando amarras, desafiando o conservadorismo
refratário a ideias novas e criativas, consideradas avançadas demais.
Idealizou e colocou em prática
conhecidos projetos: Camarão, Bicho da Seda, Boqueirão (plantação de coco),
Vilas Rurais, Bosque dos Namorados e o Centro Administrativo, com a finalidade
de centralizar os principais órgãos da gestão estadual, além da importação do
gado limonsin, de origem francesa, para melhorar geneticamente o rebanho
potiguar, sem descuidar-se das vocações naturais do estado, como as atividades
do ramo têxtil, mineral e a agricultura. Transformou-se num mascate anunciando
as potencialidades do estado ao empresariado do sul e sudeste do país, de
maneira incansável.

Excelente orador, expositor
convincente, Cortez Pereira foi o melhor divulgador que o Rio Grande do Norte
teve em todos os tempos, na busca do desenvolvimento, sua meta primordial. Era
um sonhador, mas com os pés no chão. Criou em seu governo a Empresa de Turismo
do Rio Grande do Norte (EMPROTURN) para divulgar e captar recursos junto ao
governo federal no sentido de promover o turismo de forma devidamente
planejada. Este processo seletivo se transformaria mais tarde no embrião que
viabilizaria a Via Costeira polo turístico reconhecido no país e no exterior.
 
Na gestão pública, como acontece com quase todos os administradores,
cometeu erros que foram severamente denunciados na chamada grande imprensa
nacional com o rótulo de escândalos, causando-lhe sérios problemas, notadamente
junto ao Palácio do Planalto. Por exemplo, uma viagem ao exterior acompanhado
de numerosa comitiva oficial em busca de financiamentos externos para alavancar
e incrementar o crescimento do Rio Grande do Norte. O fato irritou
profundamente o presidente Médici, o mais duro do regime militar.
Outras denúncias, como o famoso
escândalo dos sutiãs, divulgado de forma incorreta na imprensa local, embora
corrigido posteriormente, causou-lhe grande estrago pela repercussão negativa
na grande mídia nacional. Estes fatos minaram suas forças perante o regime que
o tinha chancelado como governador. Mas nada impedia sua saga com visão de
futuro promissor. Gostava de estimular a criatividade dos secretários
endossando projetos bem elaborados com total convicção de êxito.
Na Explanada dos Ministérios, conseguiu
num gesto ousado, contestar sugestão infeliz do então ministro da Indústria e
Comércio, Pratini de Morais, quando solicitou uma chance para disputar a
fábrica de barrilha com Sergipe. O ministro o interrompeu e disse bruscamente:
-Governador, a vocação natural do Rio
Grande do Norte é para criar bode.
– Ministro, eu pensei que a revolução
tinha sido feita para mudar os costumes de se fazer política neste país com
seriedade. Eu venho solicitar ao senhor uma alternativa viável para mudar o
destino do meu estado e o senhor me sugere criar bode.
O ministro sentiu que tinha cometido
uma gafe e tentou consertar:
– Governador, o senhor me desculpe, eu
me expressei mal. Por isso vou dar a chance de disputar a fábrica de barrilha
que será construída no Nordeste. 
Era justamente o que Cortez Pereira
queria. Assessorado pelo deputado Antônio Florêncio e pelo eficiente secretario
de Planejamento do estado, economista Marcos César Formiga Ramos, Cortez
reverteu o jogo a favor do estado, numa reviravolta impressionante.
O Rio Grande do Norte se mostrou mais
competitivo do que Sergipe devido a suas potencialidades naturais e ganhou a
disputa pela fábrica de barrilha que, infelizmente, nunca foi implantada,
apesar de todo o maquinário comprado no exterior. As máquinas continuam
encaixotadas num flagrante desperdício do dinheiro público. Poderia ter
transformado a história do Rio Grande do Norte. Mas valeu a intenção. Fomos
derrotados pelas poderosas multinacionais, que sufocaram o sonho de Cortez em
fazer do RN um estado realmente grande, desenvolvido industrialmente.
A saga das Vilas Rurais, hoje Serra do
Mel 
A seu convite fui cobrir, para o Diário
de Natal, o desmatamento de milhares de hectares de mata cerrada onde seriam
construídas as Vilas Rurais, um dos maiores projetos de plantio de caju do
mundo, através do modelo de colonização observado por Cortez em Israel numa
viagem realizada na condição de diretor de Crédito Cooperativo do Banco do
Nordeste do Brasil (BNB). O projeto pretendia, também, absorver a mão de obra
desempregada das salinas do Rio Grande do Norte, devido à mecanização.
Mais de duzentos tratores de esteira em
formação horizontal munidos de possantes correntes, destruindo aquela mata
cerrada e provocando um barulho ensurdecedor, anunciavam um novo tempo que
haveria de surgir naquela terra desnuda de árvores e outras plantações. Cenas
que pareciam o desbravamento do velho oeste americano mostrado em filmes épicos
sobre a conquista daquela região, expulsando os nativos e destruindo matas para
construção de cidades.
Numa espécie de palanque improvisado, o
governador Cortez Pereira, secretários de estado e convidados especiais
assistiam a algo inédito pela grandiosidade do embate entre a resistência das
árvores robustas e a força destruidora das máquinas, consumindo o que
encontravam à frente e obstruindo seu trajeto. Ao final da desocupação da
terra, o governador foi cumprimentado pelos presentes e disse: “Agora, vamos
plantar aqui o futuro do Rio Grande do Norte”. Tempos depois, as Vilas Rurais
seriam transformadas no município de Serra do Mel.
Desconhecemos escolas, praças e ruas
com seu nome. Temos a tradição nociva de esquecermos os mortos: “Rei morto, rei
posto”. Nada mais cruel do que o sepultamento da memória. O professor Cortez
Pereira gostava de citar uma frase que se aplica bem a ele: “Existem pessoas
que passam passando e outras que passam ficando.” Cortez passou ficando, mas
não se livrou do esquecimento.
Faço aqui um apelo à governadora
Rosalba Ciarlini, apelando para seu bom senso: que seja enviado projeto de lei
à Assembleia Legislativa denominando o Centro Administrativo de governador
Cortez Pereira. Trata-se de um ato de justiça, sem favor nenhum. Simplesmente
uma reparação histórica. O resgate do legado deixado por Cortez é
imprescindível à história contemporânea do Rio Grande do Norte.

Fonte: Expresso da
Noticia
Postado em 27 de fevereiro de 2014