‘Medo de perder olho está presente’, diz filho de paciente em tratamento após infecção em mutirão de cirurgias de catarata no RN
Maurício Dantas com a mãe, Vitória Dantas (que passou por cirurgia de catarata) e o irmão dele — Foto: Arquivo pessoal/cedida
Uma das 15 pessoas infectadas por uma bactéria durante um mutirão de cirurgias de catarata em Parelhas, no Rio Grande do Norte, a costureira Vitória Dantas, de 49 anos, ainda teme precisar retirar o globo ocular, como ocorreu com pelo menos outros 8 pacientes.
Essa sensação, segundo um dos filhos dela, também é compartilhada por outras pessoas que permanecem em tratamento após as complicações do procedimento.
“É muito triste. Todos os afetados por essa cirurgia estão passando por um momento muito delicado, todo mundo muito nervoso. O medo de perder o olho ainda está presente”, disse o filho de Vitória, Maurício Dantas, de 29 anos.
O mutirão em questão aconteceu nos dias 27 e 28 de setembro, na Maternidade Dr. Graciliano Lordão. Vitória não precisou retirar o globo ocular, mas não consegue enxergar praticamente nada com o olho cirurgiado.
Ao todo, 48 pessoas passaram por cirurgias no mutirão: 20 pacientes no primeiro dia e 28 no segundo. Das 20 pessoas atendidas no dia 27 de setembro, 15 apresentaram sintomas de endoftalmite, uma infecção ocular causada pela bactéria Enterobacter cloacae.
O filho mais velho dela, Maurício Dantas, contou que a mãe tem vivido dias de apreensão e medo, sem saber se vai conseguir voltar a ver.
“Ela está muito ansiosa com relação à situação dela, não consegue dormir, nervosa o tempo todo, literalmente traumatizada com relação a tudo que ocorreu. Tem medo de pegar uma bactéria fazendo qualquer coisa”, falou o filho Maurício.
Em nota, a empresa Oculare Oftalmologia Avançada LTDA, contratada pelo município para realizar o serviço, afirmou que o mutirão foi conduzido por “oftalmologista experiente, tendo seguido os protocolos médicos e de segurança exigidos”.
Ao g1, a Polícia Civil disse que não tinha informações sobre registros de ocorrências relacionadas a esse caso. Já o município abriu inquérito civil público e começou nesta terça-feira (15) a ouvir as pessoas envolvidas. Representantes da empresa devem ser ouvidos na quarta (16).
Complicação na cirurgia mudou vida da família
A costureira Vitória Dantas foi uma das quatro pacientes que, segundo a Secretaria de Saúde de Parelhas, precisaram passar por uma vitrectomia – a substituição de um gel que fica dentro do olho – após pegar a infecção na cirurgia de catarata.
Desde então, ela tem sido acompanhada – junto com outras duas pacientes – por dois médicos, sendo um deles o que realizou a cirurgia, pelo menos duas vezes por semana.
A falta de melhora desde que fez a cirurgia, no entanto, tem preocupado a costureira, que só consegue notar luz ou algum vulto quando há muita proximidade com o olho, segundo o filho.
“As duas outras pessoas que fizeram esse procedimento de vitrectomia no mesmo dia já estão tendo uma certa melhora com relação à visão, pois já estão conseguindo ver alguma coisa”, disse.
“No caso da minha mãe, ela fica desesperada porque até então não consegue ver vultos da mesma forma que os demais”.
Maurício contou que a rotina da família mudou completamente desde o episódio. O filho deixou Natal, onde cursava faculdade na UFRN, para ajudar a mãe em Parelhas.
“Precisei deixar a faculdade mais de lado e estou trabalhando em home office com telemarketing, então vou ficar aqui por um bom tempo cuidando dela. Com relação às atividades domésticas, eu estou cuidando de tudo para garantir que ela tenha o máximo repouso possível”, disse.
Vitória também precisou parar de trabalhar na empresa de confecção na qual foi contratada há cerca de três anos.
“A visão é crucial para ela exercer essa profissão. Ela queria muito voltar a trabalhar, fica falando o tempo todo que sente falta do trabalho e que queria muito voltar a vida normal dela”, contou o filho.
8 perdem globo ocular após cirurgia
Pelo menos 8 dos 15 pacientes que tiveram complicações após um mutirão de cirurgias de catarata em Parelhas, a 245 km de Natal, no mês passado, precisaram retirar o globo ocular afetado. A informação foi confirmada nesta terça-feira (15) pela Secretaria de Saúde do município.
“Infelizmente, 15 pacientes foram acometidos pela infecção bacteriana. Destes 15, 8 tiveram que retirar o globo ocular, 4 fizeram cirurgia de vitrectomia [substituição de um gel que fica dentro do olho] e 3 seguem sendo acompanhados pelos oftalmologistas”, informou o secretário de Saúde do município, Tiago Tibério dos Santos.
Segundo o município, cerca de 330 procedimentos do mesmo tipo foram realizados desde maio de 2022, antes do mutirão de setembro. “Apenas nesse tivemos complicações”, declarou o secretário.
Uma das pacientes afetadas é a cabelereira Izabel Maria dos Santos Souza, de 63 anos, que precisou fazer o procedimento chamado evisceração ocular no último dia 4 de outubro. A ação consiste na retirada do conteúdo do globo ocular, mas preserva os músculos da região.
Na manhã desta terça-feira (15), ela seguia internada no Hospital Universitário Onofre Lopes, em Natal.
“Ela está bem melhor, mas continua internada para o restante do tratamento, para ver se elimina a bactéria, que se espalhou para a pálpebra, para não passar para o cérebro e não virar algo mais grave”, afirmou um dos filho dela, Evandro Santos.
Cabelereira Izabel Maria perdeu a visão do olho esquerdo — Foto: Divulgação
A filha de outra paciente com mais de 80 anos, que pediu para não ser identificada, contou que a mãe começou a sentir incômodo no olho direito logo no dia seguinte à cirurgia.
“No sábado mesmo eu e minha irmã percebermos que saia muita secreção, mas como ela fez o retorno e o médico não disse nada, a gente achou que era normal. Na terça-feira, resolvemos levar minha mãe de novo e, chegando lá, me surpreendi com tanta gente na mesma situação”, contou.
Segundo a filha da paciente, a mulher ficou internada no mesmo dia, recebeu aplicação de antibiótico dentro do olho e teve alta no domingo seguinte (6). Porém, dois dias após a alta, os familiares decidiram levar a idosa para consultas em Natal.
“Quando chegamos a Natal, o primeiro médico (particular) deu o tão temido diagnóstico, que tinha que ser feita a remoção do olho, e a encaminhou para o Hospital Walfredo Gurgel, que também confirmou e mandou ela para o Hospital Onofre Lopes. Lá, mais dois médicos confirmaram que tinha que ser feita a remoção do olho, para não passar para o outro e também para a infecção não generalizar e ela chegar à morte”, relatou.
“Diante de tudo que passamos, estamos mais aliviados, porque ela deixou de sofrer e, na medida do possível, vem se recuperando bem”, disse.
Empresa diz que seguiu protocolos em cirurgia
Em nota enviada ao g1, a empresa contratada pelo município de Parelhas para realizar as cirurgias, Oculare Oftalmologia Avançada, afirmou que o mutirão de cirurgias oftalmológicas foi conduzido por um oftalmologista experiente”, que seguiu protocolos médicos e de segurança exigidos, “visando garantir o sucesso dos procedimentos e o bem-estar dos pacientes”.
“Assim que os primeiros casos de complicações foram relatados, a equipe médica prontamente reavaliou todos os pacientes e tomou as medidas necessárias para o tratamento imediato, disponibilizando serviço médico especializado em tempo integral. Os pacientes afetados estão recebendo toda a assistência médica, incluindo tratamento com antibióticos, conforme os melhores protocolos oftalmológicos, bem como submissão à realização de vitrectomia nos casos indicados”, informou a empresa.
Ainda de acordo com a nota, amostras biológicas foram coletadas e uma investigação é conduzida pela Superintendência de Vigilância Sanitária (Suvisa) para entender o que poderia ter levado às infecções nos pacientes operados.
A Vigilância Sanitária, vinculada à Secretaria de Saúde do Rio Grande do Norte, informou que a apuração segue em curso e os “resultados serão comunicados ao fim do procedimento”.
*g1 RN