‘Morrer de fome ou de vírus’: o dilema de milhões de pessoas, diz economista
Foto: Alex de Jesus/O Tempo
A economista Dalia Maimon Schiray afirma que milhões de pessoas no mundo enfrentam a opção de “morrer de fome ou morrer de vírus” e destaca a necessidade de expandir iniciativas comunitárias e auxílios estatais para enfrentar a pandemia da Covid-19.
Sem essa ação, as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) permanecerão reservadas para as “classes médias”, disse Maimon, coordenadora de pós-graduação do Laboratório de Responsabilidade Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em entrevista à AFP.
P: Quais são as dificuldades para generalizar o confinamento social no Brasil?
R: Um relatório recente da OIT mostra que existem 1,7 bilhão de pessoas no mundo trabalhando no setor informal, e que para essas pessoas existe uma contradição entre morrer de fome ou morrer do vírus. Se morrer de fome para mim é certo, vou arriscar de não me contaminar pelo vírus e vou trabalhar. As medidas recomendadas pela OMS contra a COVID-19 são principalmente para as classes médias.
Como podemos falar de isolamento social quando a população tem apenas o trabalho como fonte de renda? Temos que ter política de renda, para que as pessoas fiquem em casa. O governo deu 600 reais durante três meses para 50 milhões de brasileiros, mas esse dinheiro não é suficiente para sobreviver. E como vão lavar as mãos as milhões de pessoas que não têm água em seu domicílio?
P: As favelas são as áreas de maior risco?
R: No Brasil 13,6 milhões de habitantes vivem em favelas (…) e cerca de 95% dependem do trabalho para sobreviver. Há uma grande densidade populacional, residências separadas por becos, e grande número de pessoas vivendo no mesmo cômodo. A probabilidade de contaminação é, portanto, maior.
Uma favela, Santa Marta, fez higienização das ruas, e isso evita o contágio. Isso é o que precisa ser feito pelo governo em todas as favelas. No caso do Rio de Janeiro, as favelas são empoderadas com presença de organizações sociais, têm líderes comunitários, [algumas] têm projetos com financiamento internacional e trocam de experiências. Não é o caso da população pobre do interior do país. Como vai levar cesta de alimentos para o interior?
Outro problema, é a educação a distância adotada pelas escolas públicas, porque muitas comunidades não tem internet gratuita. Deveriam pelo menos criar um ou dos pontos para permitir o aceso gratuito. O discurso que ouve em muitas favelas, é para que o setor público invista nelas.
P: No mês passado, o então ministro de Saúde Luiz Henrique Mandetta falou que para combater o coronavírus nas favelas, tem que ter “diálogo” com as milícias ou traficantes que controlam muitas delas. Como você vê isso?
R: Para entrar nessas favelas, tem que passar por eles. Os traficantes não tem contradição com o confinamento. Os milicianos provavelmente sim, porque eles tiram uma porcentagem do comércio local.
*O Tempo, via AFP