Mutirão de cataratas: investigação sugere falha em procedimentos como esterilização e higienização, diz Sesap
Maternidade Dr. Graciliano Lordão, em Parelhas (Arquivo) — Foto: Divulgação
Uma investigação da Secretaria de Estado da Saúde Pública do Rio Grande do Norte (Sesap) apontou que a infecção bacteriana que atingiu 15 pacientes em um mutirão de cirurgias de catarata na cidade de Parelhas, distante mais de 240 quilômetros de Natal, tem indícios de ter sido causada por contaminação em procedimentos como higienização e esterilização.
A avaliação foi divulgada pela coordenadora de Vigilância em Saúde do RN, Diana Rêgo, nesta quarta-feira (16), após uma inspeção realizada pela equipe na cidade. Pelo menos oito pacientes precisaram remover o globo ocular por conta da infecção.
“Percebemos que, pelas características clínicas de infecção dos pacientes, uma vez que nesses pacientes que tiveram adoecimento os primeiros sintomas aconteceram 48 horas após o procedimento, isso é muito sugestivo de contaminação de procedimento, relacionado às boas práticas”, disse.
“Então fica, assim, relacionado à forma de procedimento dos profissionais que executaram as cirurgias”.
O mutirão aconteceu nos dias 27 e 28 de setembro na Maternidade Dr. Graciliano Lordão com, ao todo, 48 pacientes de Parelhas. No entanto, das 20 pessoas operadas no primeiro dia, 15 apresentaram endoftalmite, uma infecção ocular causada pela bactéria Enterobacter cloacae.
Os problemas de procedimento, segundo Diana Rêgo, apontados na investigação são relacionados à esterilização de equipamentos e higienização dos profissionais e do ambiente, por exemplo.
“Processo de esterilização e de procedimento de fluxos, realmente. Higienização das mãos, higienização de ambientes…São procedimentos necessários pra garantir a segurança do procedimento cirúrgico. E aí a gente não teve a garantia desses procedimentos”, explicou.
A empresa Oculare Oftalmologia Avançada, responsável pelas cirurgias, afirmou que o mutirão foi conduzido por “oftalmologista experiente, tendo seguido os protocolos médicos e de segurança exigidos”.
A coordenadora de Vigilância em Saúde do Rio Grande do Norte informou que a Sesap solicitou à prefeitura de Parelhas a confirmação da esterilização do material. Segundo Diana Rêgo, essa resposta também vai auxiliar no entendimento do que ocorreu de diferente nos dois dias de mutirão, já que os infectados foram apenas pacientes que realizaram o procedimento no dia 27 de setembro.
“Com certeza tem algo de diferente. Não a toa nós temos aí pacientes apenas do primeiro dia com essa infecção. As investigações têm caminhado muito em relação às ações de boas práticas e de esterilização desses equipamentos”, disse.
Oito pessoas perdem visão de olho após mutirão de cirurgia de catarata em Parelhas, RN
A investigação tem sido conduzida pelas vigilâncias sanitárias municipal, estadual e nacional. Além de uma avaliação da secreção ocular dos infectados, o Laboratório Central de Saúde Pública do RN (Lacen) também começou a fazer uma nálise da portabilidade da água da maternidade onde ocorreu o mutirão.
Segundo Diana Rêgo, a Vigilância Sanitária de Pernambuco também foi acionada para auxiliar na apuração sobre a empresa contratada para realizar o mutirão, que é registrada no estado. Segundo ela, a Sesap não recebeu todas as informações necessárias.
“Nós não tivemos ainda informações acerca dessa empresa, como alvará de funcionamento, até porque essa empresa é uma empresa de Pernambuco”, disse.
Município investiga caso
A prefeitura de Parelhas também instaurou um inquérito para investigar as circunstâncias e responsabilidades no caso. As audiências com técnicos, médicos e a empresa responsável pelos procedimentos foram iniciadas nesta terça-feira (15).
O Municípío informou que encaminhou uma notificação formal à empresa Oculare Oftalmologia Avançada, responsável pelas cirurgias oftalmológicas no município, “exigindo esclarecimentos imediatos”.
“A Prefeitura reitera que as cirurgias foram realizadas dentro da legalidade, e o Município está arcando com todos os atendimentos e procedimentos médicos necessários aos pacientes, inclusive pagando por consultas particulares em alguns casos, para que todos possam ter o melhor acompanhamento possível”, informou o município por meio de nota enviada ao g1.
Além da assistência médica, o município disse que tem mantido suporte psicológico, monitoramento contínuo e cobertura de tratamento e consultas.
Ao g1, a Polícia Civil disse que não tinha informações sobre registros de ocorrências relacionadas a esse caso.
8 perdem globo ocular após cirurgia
Pelo menos 8 dos 15 pacientes que tiveram complicações após o mutirão de cirurgias de catarata em Parelhas, a 245 km de Natal, precisaram retirar o globo ocular afetado.
“Infelizmente, 15 pacientes foram acometidos pela infecção bacteriana. Destes 15, 8 tiveram que retirar o globo ocular, 4 fizeram cirurgia de vitrectomia [substituição de um gel que fica dentro do olho] e 3 seguem sendo acompanhados pelos oftalmologistas”, informou o secretário de Saúde do município, Tiago Tibério dos Santos.
Segundo o município, cerca de 330 procedimentos do mesmo tipo foram realizados desde maio de 2022, antes do mutirão de setembro. “Apenas nesse tivemos complicações”, declarou o secretário.
Uma das pacientes afetadas é a cabelereira Izabel Maria dos Santos Souza, de 63 anos, que precisou fazer o procedimento chamado evisceração ocular no último dia 4 de outubro. A ação consiste na retirada do conteúdo do globo ocular, mas preserva os músculos da região.
“Ela está bem melhor, mas continua internada para o restante do tratamento, para ver se elimina a bactéria, que se espalhou para a pálpebra, para não passar para o cérebro e não virar algo mais grave”, afirmou um dos filho dela, Evandro Santos, na terça-feira (15).
A filha de outra paciente com mais de 80 anos, que pediu para não ser identificada, contou que a mãe começou a sentir incômodo no olho direito logo no dia seguinte à cirurgia.
“No sábado mesmo eu e minha irmã percebermos que saia muita secreção, mas como ela fez o retorno e o médico não disse nada, a gente achou que era normal. Na terça-feira, resolvemos levar minha mãe de novo e, chegando lá, me surpreendi com tanta gente na mesma situação”, contou.
Medo de perder olho
Uma das 15 pessoas infectadas pela bactéria durante um mutirão de cirurgias de catarata em Parelhas, no Rio Grande do Norte, a costureira Vitória Dantas, de 49 anos, ainda teme precisar retirar o globo ocular.
“É muito triste. Todos os afetados por essa cirurgia estão passando por um momento muito delicado, todo mundo muito nervoso. O medo de perder o olho ainda está presente”, disse o filho de Vitória, Maurício Dantas, de 29 anos.
Maurício Dantas com a mãe, Vitória Dantas (que passou por cirurgia de catarata) e o irmão dele — Foto: Arquivo pessoal/cedida
Maurício contou que a mãe tem vivido dias de apreensão e medo, sem saber se vai conseguir voltar a ver.
“Ela está muito ansiosa com relação à situação dela, não consegue dormir, nervosa o tempo todo, literalmente traumatizada com relação a tudo que ocorreu. Tem medo de pegar uma bactéria fazendo qualquer coisa”, falou.
Empresa diz que seguiu protocolos em cirurgia
Em nota enviada ao g1, a empresa contratada pelo município de Parelhas para realizar as cirurgias, Oculare Oftalmologia Avançada, afirmou que o mutirão de cirurgias oftalmológicas foi conduzido por um oftalmologista experiente”, que seguiu protocolos médicos e de segurança exigidos, “visando garantir o sucesso dos procedimentos e o bem-estar dos pacientes”.
“Assim que os primeiros casos de complicações foram relatados, a equipe médica prontamente reavaliou todos os pacientes e tomou as medidas necessárias para o tratamento imediato, disponibilizando serviço médico especializado em tempo integral. Os pacientes afetados estão recebendo toda a assistência médica, incluindo tratamento com antibióticos, conforme os melhores protocolos oftalmológicos, bem como submissão à realização de vitrectomia nos casos indicados”, informou a empresa.
Ainda de acordo com a nota, amostras biológicas foram coletadas e uma investigação é conduzida pela Superintendência de Vigilância Sanitária (Suvisa) para entender o que poderia ter levado às infecções nos pacientes operados.
*g1 RN