Obsessão por game, abandono dos pais e bullying marcaram vida de atirador
No cômodo de paredes sem acabamento, o aparelho de televisão que domina o pequeno ambiente exibe os retratos de Guilherme Taucci Monteiro, 17, e de Luiz Henrique de Castro, 25, sobre uma tarja onde se lê: “Assassinos mataram oito em escola de Suzano”.
Diante da tela, Tatiana Taucci, 35, esfrega as mãos, agitada, antes de levá-las ao rosto. “Como é que pode meu filho ser chamado de assassino, meu Deus? Isso é chocante”, lamenta. Segundos depois, ela mesma conclui: “Mas do que é que vão chamar ele se matou toda essa gente na escola?”.
Guilherme e Luiz invadiram a Escola Estadual Professor Raul Brasil, onde estudaram, na manhã desta quarta-feira (13), e abriram fogo contra coordenadora pedagógica, inspetora e alunos, matando sete pessoas e ferindo outras onze.
No caminho até o colégio, Guilherme parou na loja do tio, Jorge Antônio Moraes, irmão de sua mãe, onde já havia trabalhado, e atirou contra ele. O tio morreu no hospital.
“Cheguei na escola gritando pelo meu filho, dizendo que tinham machucado ele. Quando me contaram o que tinha acontecido, meu mundo caiu”, diz.
“Perdi meu filho e meu irmão. Não dá nem pra acreditar… Minha vida acabou”, diz ela, sentada na cadeira em que, conta, Guilherme passava as madrugadas jogando no computador.
“Ele tinha internet, TV a cabo, tinha tudo. E o bobão faz isso?”, revolta-se. “Estou com muita raiva, de tudo.”
A família diz nunca ter desconfiado de que Guilherme pudesse ter algum tipo de comportamento violento. “Nosso relacionamento até que não era ruim. Mas a gente quase não conversava”, revela a mãe.
“A única coisa é que ele era pirado nesse bagulho de jogo de computador. Ele ficava paranoico e gritava para a tela: vou te matar, vou te matar!”
Desempregada há dois anos e mãe de outras quatro crianças, duas das quais moram na mesma casa onde Guilherme vivia, Tatiana batalha contra uma dependência química de longa data, que a leva a passar boa parte do tempo nas ruas.
Fruto de um relacionamento breve entre Tatiana e Rogério Machado Monteiro, Guilherme foi criado pelos avós, Benedito Luiz Cardoso e Arlete Taucci, numa casa de tijolo aparente, entulhada de móveis e objetos, no bairro Jardim Imperador.
“O pai e a mãe não estavam muito aí pra ele, sabe?”, diz o avô, antes de ser repreendido pela filha. “Agora a culpa é minha? Culpa é sua, que criou ele”.
Com a morte da avó, quatro meses atrás, Guilherme passou a dar sinais de tristeza permanente. “Acho que ele ficou deprimido”, arrisca a tia.
O quarto de Guilherme fica nos fundos da casa, atravessando a lavanderia onde se acumulam roupas, jornais, latas, baldes, ripas de madeira, bicicletas de criança e uma gaiola com um pequeno pássaro.
Ao sair pela manhã para o atentado, Guilherme deixou no chão, ao lado do beliche onde dormia, uma foto queimada, que a mãe reconheceu como sendo sua com o pai do adolescente.
Do chão, a mãe recolhe uma sacola em que encontra mais de cinco caixas vazias de Bis de chocolate branco. “Ele tinha problemas de acne. Também, comendo chocolate desse jeito”, diz ela, como se falasse consigo mesma.
Segundo Tatiana, Guilherme abandonou a escola no ano passado, a um ano de concluir o ensino médio, porque dizia não aguentar mais ser “zoado por causa das espinhas do rosto”.
O avô pagou um tratamento para o neto, e sua pele “melhorou muito”. “Ontem mesmo, quando ele chegou da rua de noite, eu esquentei o jantar pra ele. Estava tudo bem”, lembra o avô, com a voz embargada. Guilherme comeu arroz, feijão e hambúrguer. “Ele adorava hambúrguer.”
Na mesma calçada da casa do adolescente, poucos metros depois, vivia Luiz Henrique, com os pais e irmãos. Eles moravam nos fundos da casa do avô, uma construção térrea de pintura alegre e jardim cuidado.
Luiz Henrique havia acabado de começar a trabalhar com o pai, que atua no ramo da jardinagem.
O avô, de 85 anos, teve de ser sedado quando soube que o neto havia protagonizado um massacre. “Ninguém consegue acreditar”, comentou um amigo da família, que preferiu não se identificar.
Guilherme e Luiz se conheceram na infância e, desde então, andavam sempre juntos.
“Eram meninos normais. Falavam bom dia, boa tarde, boa noite. Não usavam drogas”, conta o motorista Cássio Nogueira, 39, vizinho que os viu crescer. “Nunca percebi nenhum traço que indicasse que esse tipo de comportamento poderia ocorrer. Estamos todos ainda em choque.”
Os programas da dupla dos últimos tempos eram passeios pelo shopping e visitas regulares à LAN house do bairro, onde costumavam jogar video-games de tiros.
“Por aqui passam cerca de cem pessoas por dia, e quase todos jogam games de tiros. Se isso determinasse alguma coisa, todas essas pessoas seriam assassinas”, pondera Tatiane Motta, 27, que trabalhou até mês passado como atendente da LAN house frequentada pela dupla.
Ela conta que Guilherme e Luiz jogavam videogames no espaço ao menos três vezes por semana. Eram conhecidos por serem fechados, seletivos e xingarem muito e em voz alta durante as partidas.
Um dia, a atendente percebeu um pingente com a suástica nazista no pescoço de um deles. “Levei um susto”, diz. Os clientes passaram a ser vistos com cautela.
A mãe e o avô de Guilherme dizem nunca terem visto o menino ostentar esse tipo de símbolo.
A tia e vizinha Karina Mendes, 27, diz que está com medo de represálias. “A gente entra nas redes sociais e só vê gente xingando eles e dizendo que a culpa é da família, que temos todos de morrer também”, afirma. “Eu entendo a revolta das pessoas, mas não podemos pagar por aquilo que não fizemos. Estamos todos sofrendo, mas estamos com muito medo também.”
*FOLHAPRESS
|
Postado em 14 de março de 2019