Oito pessoas perdem olho após infecção em mutirão de cirurgia de catarata em Parelhas
Pelo menos oito pessoas perderam o globo ocular após um mutirão de procedimentos cirúrgicos de catarata na cidade de Parelhas, na região Seridó do Rio Grande do Norte, realizado entre os dias 27 e 28 de setembro. O município instaurou um inquérito civil para apurar o problema, causado por complicações derivadas da endofmaltite, infecção causada pela bactéria Enterobacter cloacae, comumente encontrada em fezes, e incomum em ambientes hospitalares. As informações foram confirmadas nesta terça-feira (15) pela Secretaria de Administração da cidade, que atua de forma integrada com a Secretaria de Saúde e a Procuradoria Geral de Parelhas na apuração do caso.
De acordo com a secretária de administração de Parelhas, Patrícia Gambarra, as oito vítimas estão recebendo assistência por parte do município, com a previsão da entrega de próteses móveis para os pacientes. Com relação aos demais, ela informou que quatro realizaram uma vitrectomia (realizado para a substituícão de gel localizado dentro do olho, o que ajuda na recuperação da visão) em clínicas particulares nas cidades de Natal e Parnamirim. e outros três ainda não passaram pelo procedimento, mas seguem em acompanhamento médico. Ao todo, 15 dos 48 pacientes que passaram pelo mutirão foram afetados com a infecção. “O município arcou com os custos para com os pacientes que desejaram realizar o procedimento no sistema particular. Eles estão com médicos particulares”, informou.
Sobre o processo investigativo para apontar o que causou a infecção, ela explicou que um possível padrão de contaminação foi explorado, mas não foi constatado. “Não foram os primeiros pacientes e nem os últimos pacientes. Não houve uma ordem sequencial entre quais foram contaminados. Nenhum dos pacientes que participaram do mutirão no dia 28, sábado, tiveram qualquer tipo de infecção. Eles estão muito bem e vendo perfeitamente. Todos esses pontos foram levantados”, relatou.
Nesta terça-feira, foram ouvidas colaboradores da maternidade Dr. Graciliano Lordão, local dos procedimentos cirurgicos, além das pessoas afetadas. Ainda de acordo com a secretária, a empresa Oculare Oftalmologia Avançada LTDA realizou os procedimentos foi contratada por meio de um processo licitatório através de credenciamento realizado pelo portal de compas públicas do Governo Federal. Ela afirmou ainda que a contratação custou R$ 59 mil e veio por meio de recursos do município. “Esse valor ainda não foi pago. Só será quando todo o procedimento estiver finalizado. Apenas pagamos R$ 5 mil reais à maternidade para a utilização do espaço (onde ocorreram os procedimentos), já que a maternidade não é municipal e sim filantrópica”, disse.
As informações apuradas no inquérito, aberto na semana passada, serão repassadas para o Ministério Público do Estado. Patrícia Gambarra informou que, nesta quarta-feira (16), as partes envolvidas realizarão uma reunião com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Subcoordenadoria de Vigilância Sanitária do Rio Grande do Norte (Suvisa) para a apresentação dos resultados das análises realizadas. A secretária ressaltou que foram realizados testes em amostras de água e no espaço da maternidade Dr. Graciliano Lordão, local dos procedimentos cirúrgicos. Os médicos que atuaram nas cirurgias também serão ouvidos. “Com isso, a gente poderá formar uma linha de investigação e chegar ao porquê de tudo que aconteceu, já que tudo isso ocorreu em um dia só. Estamos utilizando todos os meios jurídicos e investigativos necessários”, complementou.
A secretária afirmou ainda que o município está buscando ajudar aqueles que foram afetados. “Nesse movimento, parece que o município é o grande vilão da história. Infelizmente aconteceu, mas a gente está tentando resolver. Acredito que isso se torne verdade quando se abandona o paciente, não tenta ajudar e deixa de lado as soluções. Desde o primeiro momento em que os pacientes começaram a relatar queixas, demos todo o suporte necessário. São 15 famílias”, pontuou.
Não identificada por questões de preservação, uma idosa, de 61 anos, residente da cidade está entre os pacientes atingidos pela infecção. De acordo com relato de sua nora, ela passou pelo procedimento durante a tarde de sexta-feira. Porém, ainda durante a noite, ela passou a sentir um incômodo constante no olho. A senhora passou por novo atendimento médico, mas o problema persistiu e se agravou. “Ele alegou que aquilo era normal no pós-cirurgia e a pediu para voltar para casa. No sábado (28), ela passou a sentir dores insuportáveis e foi ao hospital. Ali, ela foi orientada a voltar à maternidade e falar com o mesmo médico. O olho dela já estava bem vermelho, e ela estava com, a visão embaçada”, relatou.
Ao procurar o médico, conforme relatou a parente da idosa, ele alegou que a dificuldade da paciente em enxergar estava relacionada com a pressão do olho. A fim de aliviar a dor, o médico a receitou dipirona e a dispensou. No domingo (29), as dores pioraram e o olho da paciente passou a apresentar secreções. A presença da bactéria no globo ocular dela foi constatada na segunda-feira, após a realização de duas consultas em clínicas particulares. O avanço da infecção trouxe em um alto risco a vida da idosa. “O diagnóstico foi de que ela precisava ir para Natal imediatamente, porque ela precisaria remover todo o globo ocular. O médico disse que a bactéria já estava próxima ao cérebro, e isso poderia causar uma meningite bacteriana ou uma infecção generalizada no sangue. Minha sogra ficou por um fio”, disse.
Com o uso de fortes antibióticos para combater a bactéria, a idosa veio a capital potiguar e removeu todo o globo ocular na quarta-feira (2), em uma instituição particular. A nora da idosa relatou ainda que a idosa realiza cuidados de higienização e uso de medicações para combater a infecção.
Leia a nota da emitida pela prefeitura do município na íntegra:
“A Prefeitura de Parelhas/RN informa que encaminhou uma notificação formal à empresa Oculare Oftalmologia Avançada, responsável pelas cirurgias oftalmológicas no município, no episódio das 15 pessoas infectadas por bactéria após procedimentos cirúrgicos de catarata realizados no dia 27 de setembro, exigindo esclarecimentos imediatos. Ao mesmo tempo, instaurou um inquérito civil para investigar as circunstâncias e responsabilidades diante da situação. As audiências com técnicos, médicos e a empresa responsável pelos procedimentos foram iniciadas nesta terça-feira, 15 de outubro de 2024.
A Prefeitura reitera que as cirurgias foram realizadas dentro da legalidade, e o Município está arcando com todos os atendimentos e procedimentos médicos necessários aos pacientes, inclusive pagando por consultas particulares em alguns casos, para que todos possam ter o melhor acompanhamento possível.
O credenciamento para os procedimentos cirúrgicos seguiu rigorosamente todos os trâmites legais, com pesquisa mercadológica, registro no Portal de Compras Públicas e envio ao Tribunal de Contas, garantindo total transparência. A escolha por realizar os procedimentos localmente na Maternidade Dr. Graciliano Lordão visou evitar o deslocamento dos pacientes para outras cidades, proporcionando mais conforto e agilidade no atendimento. O uso do centro cirúrgico da Maternidade foi devidamente pago e registrado, demonstrando o compromisso do Município com a transparência e a prestação de serviços de qualidade. Além das medidas já adotadas, serão realizados testes pelo Laboratório Central de Saúde Pública (LACEN) para determinar onde ocorreu a contaminação. A investigação abrangerá a água utilizada, o centro cirúrgico, o processo de esterilização e outros possíveis fatores, conforme solicitado pela Subcoordenadoria de Vigilância Sanitária (SUVISA).
Desde o primeiro momento, a Prefeitura reforça que tem agido com total transparência e responsabilidade, adotando as seguintes medidas para garantir a saúde dos pacientes: • Assistência médica integral imediata: Todos os pacientes afetados estão recebendo acompanhamento médico especializado, incluindo suporte de infectologistas. Quatro pacientes já passaram por vitrectomia, uma cirurgia de alta complexidade, com todos os custos cobertos pelo município.
• Suporte psicológico: A Prefeitura está oferecendo atendimento psicológico tanto para os pacientes quanto para suas famílias, reconhecendo o impacto emocional deste episódio.
• Cobertura de tratamento e consultas: O município está custeando todos os tratamentos, consultas e medicamentos, assegurando que os pacientes não tenham despesas adicionais. • Monitoramento contínuo: A equipe da Secretaria de Saúde Municipal mantém o acompanhamento constante dos pacientes até a estabilização de seus quadros clínicos. Além disso, a Secretaria Municipal de Saúde notificou imediatamente as autoridades sanitárias estaduais e nacionais, conforme as normas de notificação de surtos infecciosos. A SUVISA já realizou vistoria técnica e está sendo atualizada com todas as informações necessárias. No dia 27 de setembro, foram realizados 20 procedimentos cirúrgicos de catarata na Maternidade Dr. Graciliano Lordão. Lamentavelmente, 15 pacientes apresentaram sintomas de endoftalmite, uma infecção ocular causada pela bactéria Enterobacter cloacae. A presença da bactéria foi detectada prontamente por meio de exames especializados, permitindo que a equipe médica adotasse a medicação necessária conforme prescrição de um infectologista, visando o tratamento adequado de cada paciente.
Já no dia 28 de setembro, foram realizados outros 28 procedimentos cirúrgicos de catarata sem qualquer intercorrência, o que reforça a necessidade de uma investigação cuidadosa e detalhada sobre os casos de infecção”.
*Tribuna do Norte