STJ autoriza mudança de nome de criança registrada pelo pai com nome de anticoncepcional que a mãe tomava para não engravidar
Foto: Karolina Grabowska do Pexels
A escolha do nome de um bebê pode causar polêmicas nas famílias e, em alguns casos, a situação pode parar até mesmo na justiça. Foi o que aconteceu com uma menina, de 3 anos. Ela foi registrada pelo pai com o nome do anticoncepcional que sua mãe tomava para não engravidar. Com base no argumento que o homem registrou a filha com um nome diferente do que havia sido combinado com a mãe da menina, o STJ — Superior Tribunal de Justiça — autorizou a alteração na certidão da criança.
Segundo o defensor Público, Rafael Rocha Paiva Cruz, que representou a mãe no caso, chegar até essa decisão não foi um caminho fácil. O advogado explica que os pais tinham combinado dar um nome simples para a filha, mas o pai foi registrar a menina sozinho e indicou um nome composto formado pelo nome combinado anteriormente com sua ex-parceira e o nome de uma marca de anticoncepcional. “Se fosse um nome vexatório e esquisito, o cartório não teria registrado, porém, há vários anticoncepcionais que têm nome de mulher, então o cartório registrou, porque não tem nenhuma norma que o obrigue a perguntar para mãe qual nome ela quer”, explica o profissional.
Em um primeiro momento, a mãe tentou fazer a alteração do nome no cartório de registro, mas não teve sucesso. Quando sua bebê estava com poucos meses, ela entrou com uma ação na justiça, porém, teve seu recurso negado em primeira instância. De acordo com Rafael, o juiz argumentou que não ficou provado que o nome era vexatório e não foi comprovado que o pai agiu de má-fé. Com essa negativa, a mãe quase pensou em desistir, mas entrou com um recurso, que foi julgado no Tribunal de Justiça de São Paulo — segunda instância. Mais uma vez, seu pedido foi julgado improcedente. Em sua decisão, o TJ disse que a criança poderia mudar o nome se quisesse com 18 anos, sem ter que justificar.
Diante dessas dificuldades, o defensor público decidiu focar em um outro ponto. Ele entrou com um recurso especial dizendo que pai havia “quebrado” um acordo feito com a mãe, ao dar o nome para a filha que não havia sido combinado anteriormente, com base em mensagens trocadas entre os pais. “É uma violação, um abuso do direito dele. A mãe estava lutando pelo direito de nomear a filha dela”, disse o defensor.
O Supremo Tribunal de Justiça acolheu o recurso do advogado e afirmou que os pais têm o direito de escolher o nome dos filhos e se não houver um consenso devem recorrer à justiça. “O ato do pai que, conscientemente, desrespeita o consenso prévio entre os genitores sobre o nome a ser dado ao filho, acrescendo prenome de forma unilateral por ocasião do registro civil, além de violar os deveres de lealdade e de boa-fé, configura ato ilícito e exercício abusivo do poder familiar, sendo motivação bastante para autorizar a exclusão do prenome indevidamente atribuído à criança”, disse a decisão. “É irrelevante apurar se o acréscimo unilateralmente promovido pelo genitor por ocasião do registro civil da criança ocorreu por má-fé, com intuito de vingança ou com propósito de, pela prole, atingir à genitora”.
No julgamento, após sustentação oral realizada pela Defensora Pública Fernanda Maria de Lucena Bussinger, do Núcleo de Segunda Instância e Tribunais Superiores da Defensoria, os Ministros da 3ª Turma do STJ, em votação unânime, concordaram que houve rompimento unilateral do acordo prévio realizado entre os pais da criança. Assim, consideraram que há motivação suficiente para autorizar a modificação do nome da criança, tal como permitido pela Lei de Registros Públicos.
Para o Defensor Público Rafael Rocha Paiva Cruz, essa decisão é muito importante, pois pode abrir precedentes para que outros casos como esses possam ser analisados. Além disso, para ele, é importante tomar medidas para evitar que essas situações aconteçam, como mecanismos para colher o consentimento da mãe ou mesmo um procedimento em que permitisse que a mãe pudesse contestar o nome registrado pelo pai. A reportagem entrou em contato com a defesa do pai, mas a advogada não quis se manifestar.
*Revista Crescer