Está no G1RN: Encomendas de morte, entrada de celulares e drogas estão nas conversas que os presos do sistema penitenciário do Rio Grande do Norte mantêm com pessoas do lado de fora das unidades prisionais do estado. O G1 teve acesso aos áudios de algumas das mais de duas mil interceptações telefônicas que fazem parte das investigações da operação Alcatraz, deflagrada no dia 2 de dezembro em 15 cidades do RN e que também cumpriu mandados nos estados de São Paulo, Paraná e Paraíba.
A ação foi realizada conjuntamente pelo Ministério Público Estadual, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Militar do RN.
A Coordenação de Administração Penitenciária (Coape) informou que um planejamento estratégico está sendo montado para tentar acabar com a atuação das organizações criminosas nos presídios.
Sobre a utilização de celulares pelos detentos, o coordenador de Administração Penitenciária, Leonardo Freire, disse que o governo pretende instalar bloqueadores de sinais de telefonia móvel, mas ainda não existe uma previsão sobre quando isso vai acontecer.
As ligações foram feitas a partir da Penitenciária Estadual de Alcaçuz, em Nísia Floresta, na Grande Natal – a maior unidade prisional do estado. Em uma das escutas, um preso conversa com um traficante sobre a cobrança de uma dívida. “Tô querendo ver como eu pego ele lá. Ele tá com carro, tá com tudo e não quer pagar mano (sic)”, afirma o detento, revelando que tem R$ 14 mil para receber de um homem de Macaíba, também na região metropolitana da capital.
Do outro lado da linha, o suposto traficante deixa claro que, se for necessário, ele mesmo acertará as contas com o devedor. “Se você quiser, eu vou buscar ele lá dentro da casa dele. Só é arrumar dois boy aí (sic)”, diz. De pronto, o preso informa que tem o equipamento e pessoas para executar o crime.
O detento cita que tem as ‘peças’ [armas] e ‘camisas’ [coletes à prova de bala]. “Tenho ali, tenho mais as peças, tenho camisa, tenho tudo. Esses boy que eu vou mandar para você é da minha confiança. É meus primo, meus irmão, cara que fecha comigo até a alma (sic)”.
Na mesma conversa, o preso também se disponibiliza a matar desafetos do traficante, caso seja preciso. “Quando um cara enrolar você e você vir que se prejudica naquele canto, você dá uma ideia a nós e nós pega. Tá ligado? Tem que ser um bagulho que tenha motivo. Não é por toda dívida que ninguém pode estar matando o povo.
Até porque eu não gosto disso (sic)”, diz o detento.
Em uma conversa com uma mulher, um preso fala sobre as liberdades de uma visita íntima que acontecerá no dia seguinte. A mulher reclama da cela escolhida para o encontro e questiona o preso se é permitido fumar no local. O detento responde: “Aqui não tem frescura não. Pode fumar maconha, pode tudo.
Só não pode quando tem criança (sic)”.
Uma possível facilitação da entrada de drogas nos presídios também é assunto das conversas interceptadas na operação Alcatraz. Um preso fala sobre um agente penitenciário que estaria dispostos a “resolver” problemas dentro do presídio. “Esse bicho não embaça não (…) esse boy aí é um bandido trajado. Pode botar fé. Mete bagulho e tudo aqui, homi. O que tiver para resolver aí, ele resolve aqui (…) resolve bem ligeirinho. É só dizer onde tá.
Ele caça igual um animal quando tá com fome atrás de uma presa” (sic)”, afirma.
Nas escutas, os detentos ensinam como entrar com celulares na unidade prisional. “Depois que ele dá o baculejo, aí a mulher vai com dois telefones escondidos na mão, coloca na sacola e entra. Entendeu? (sic)”, orienta um preso, que faz o pedido do celular de uma marca específica. “Mande um LG que eu tô precisando de um mesmo (sic)”.
Em outra ligação, um preso conversa com uma pessoa do lado de fora do presídio que estaria jogando celulares para o lado de dentro da penitenciária. “Pode jogar que tá de boa (…) manda, a hora é essa (…) ficou um pouquinho longe, mas a gente dá um jeito (sic)”, fala o detento.
A Operação Alcatraz foi deflagrada no dia 2 de dezembro e cumpriu 223 mandados de prisão em 15 cidades potiguares e também nos estados da Paraíba, Paraná e São Paulo. Destes, 154 foram contra pessoas que já estão encarceradas.
Ao todo, 161 pessoas já foram denunciadas pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte por suspeitas de crimes de tráfico de drogas, associação para o tráfico e organização criminosa – todas elas, segundo as investigações, associadas com duas facções que estariam ditando regras e comandando diversos crimes de dentro dos presídios do estado.
As duas facções, de acordo com as denúncias, surgiram a partir de uma organização criminosa que nasceu em São Paulo. No dia 7 de dezembro o ‘Fantástico’ exibiu gravações que mostram como esta facção vende drogas no Nordeste.
As denúncias feitas até agora apontam a existência de organizações criminosas dentro do sistema penitenciário estadual desde 2003. Na ocasião, “diversas fontes” relataram ao MP a existência de uma facção dando as ordens na Penitenciária João Chaves, na Zona Norte de Natal. Desativada em 2006, a unidade ficou conhecida como “Caldeirão do Diabo”.