Uma corrente e dois cadeados prendem a perna esquerda da menina à
cadeira de metal. O corpo franzino quase não tem forças para arrastar o
objeto pela sala. O atrito das correntes com o piso produz um som
perturbador. Há três meses, Vanessa (nome fictício), 16 anos, é mantida
acorrentada dentro da própria casa. A chave dos cadeados estão com a
mãe. Foi ela quem decidiu acorrentar a filha. Uma atitude extrema e
desesperada com o objetivo de tentar salvar a filha de uma outra prisão:
as drogas.
A TRIBUNA DO NORTE conversou com mãe e filha e conta uma história que,
segundo o juiz da 1ª Vara da Infância e Juventude de Natal, José Dantas,
não é tão incomum como parece
Usuária de maconha e crack há mais de quatro anos, a menina foge de casa
e age com violência sempre que está livre. Acorrentada, Vanessa é
mantida sob a vigilância da mãe, avô e irmãos. A história dramática é
mais um exemplo do potencial de devastação das drogas e revela o lado da
sociedade onde as políticas públicas de combate ao uso de entorpecentes
não chegam.
“Minha filha começou a se drogar quando tinha 12
anos. No início era só maconha e não tinha tanto problema, mas, de uns
tempos para cá, percebi que ela começou a usar outras drogas e ficou
mais agitada e agressiva. Não era assim no início, mas ela passou a me
xingar, brigar e quebrar as coisas. Eu não sabia mais o que fazer. O
jeito foi acorrentar”, conta a dona de casa que prefere não expor a
identidade.
A mãe perdeu as contas da quantidade de vezes que a
filha fugiu de casa para se drogar. A família mora num dos bairros de
maior vulnerabilidade social da zona Oeste da capital. Encontrar quem
ofereça uma pedra de crack não é difícil. Trancar portas e janelas para
evitar a fuga já não adiantava.
“Ela destelhava o teto e saía por
cima. Pulava para casa vizinha e ia embora. Só voltava se a gente fosse
atrás”, lembra a dona de casa e mãe de mais dois filhos – um jovem de
15 anos e uma menina de 12. “Quando tentava conversar, ela me
esculhambava. Fazia coisa que eu nunca imaginava que seria possível”,
completa.
A adolescente fala pouco. Quando a reportagem chegou à residência, na
última quarta-feira, a menina fumava um cigarro de palha enquanto
assistia um programa policial na TV. Esboçou um sorriso que, por um
instante, trouxe leveza ao rosto marcado pelas consequências físicas de
tantos anos consumindo drogas. Pés descalços, vestia uma blusa vermelha e
short jeans curto. Nas unhas dos pés, esmalte vermelho. Um piercing no
nariz, anéis, pulseira e brincos enfeitam a menina.
Não há
marcas ou feridas no calcanhar onde a grossa corrente está pendurada.
Dois cadeados seguram a prisioneira à cadeira. Ela se movimenta pouco.
Caminhar arrastando o assento é difícil. Levanta para verificar a panela
que está no fogão e volta a se sentar. Onde vai, carrega o peso. Os
momentos de liberdade são restritos a ida ao banheiro. À noite, a
corrente e cadeados acompanham a menina no leito onde dorme.
As
respostas são curtas e vazias. Às vezes, sem nexo. “Não sei o porquê
estou aqui. Queria que alguém respondesse”, diz quando questionada sobre
sua situação. “Se eu saísse, ia na casa de uma amiga pegar uma calça
que está lá”, é a resposta sobre o que gostaria de fazer. “Levar
injeção, é? Queria sim”, dispara ao comentar a possibilidade de se
submeter a tratamento médico. Outras perguntas foram feitas, mas o
silêncio e um olhar vazio encerraram a conversa.
O irmão de 15 anos conta o drama de ter uma irmã viciada. “Quando ela
saía, eu que ia atrás. Sempre era uma briga. Ela me batia, rasgava minha
roupa. Não gosto de ver ela presa, mas é melhor do que se estivesse na
rua”, pondera.
Uma equipe do Programa Saúde da Família (PSF),
durante visita ao avô da garota, foi quem questionou a mãe sobre a
condição da filha. Os profissionais contam que procuraram vagas na rede
de assistência municipal, mas não encontraram. O Conselho Tutelar da
área não foi avisado. “Não procurei ninguém. Não sei a quem recorrer,
mas quero que ajudem minha filha”, explicou a mãe.
O juiz da 1ª
Vara da Infância e Juventude de Natal, José Dantas, explica que, em
casos como o de Vanessa e outros que envolvem direitos de crianças e
adolescentes, a primeira providência é procurar o Conselho Tutelar. “É o
órgão de porta de entrada. Os conselheiros vão orientar como proceder”,
diz. O magistrado explica ainda que, mesmo com motivos justificáveis, a
mãe comete crimes ao acorrentar a garota. “Pelo menos os maus tratos
já estão caracterizados. Mas, na minha visão, essa mãe precisa mais de
apoio que punição”.
Da Tribuna do Norte