Quem manda no Brasil hoje é o Judiciário?
A divisão política da república em três poderes foi uma marca evolutiva importante na consolidação da democracia no mundo ocidental. Para que funcione a contento, porém, é fundamental o respeito à autonomia e à independência de cada um: executivo, legislativo e judiciário. Infelizmente, não é isso que ocorre hoje no Brasil.
O judiciário passou a ter um status diferenciado, por vários motivos, consistentes ou não. Não é objeto deste artigo discuti-los ou inquirir sua pertinência. O fato é que nos últimos meses o executivo e o legislativo tiveram suas competências absolutamente devassadas por promotores, magistrados e outros togados. É claro que parlamentares e gestores deram margem de sobra para que tal coisa ocorresse. Porém, aos poucos, interferências justificadas passaram a ter as feições quase que de um governo paralelo.
Não sou jurista e sequer advogado. Direito não é minha matéria. Mas me causa espécie a quantidade de atitudes absurdas capitaneadas por quem devia resguardar a lei. A Constituição parece que se tornou um “detalhe” irrelevante, posta de lado todas as vezes que a “sede de justiça” precisa ser aplacada. Diga-se de passagem: para o bem e para o mal, justiça e lei nem sempre se combinam. Basta lembrar a dicotomia entre legalidade e legitimidade existente na mente de quem quer “fazer justiça com as próprias mãos”.
A ansiedade não pode ser critério para quem quer fazer um julgamento técnico dos fatos. Muito menos a paixão política. Não tenho mais idade para acreditar que magistrados são seres puros que não se deixam contaminar por ideologias ou visões de mundo. Acho inclusive normal e, mais que isso, humano. Mas quando as decisões colocam, repetidamente, o aspecto técnico em segundo plano, o desequilíbrio se torna evidente.
Juízes não são deuses. E o que é mais preocupante: por piores que sejam o executivo e o legislativo, ambos são submetidos ao crivo popular e à fiscalização de diversas instituições e da imprensa. O judiciário, por sua vez, continua sendo uma caixa preta inviolável, sem qualquer avaliação e um controle institucional mínimo. A sociedade não vota para escolhê-los. Que legitimidade eles têm para interferir no sistema político? Aliás, se a corrupção espraiou-se por parlamentos e gabinetes obrigados a prestar contas sobre sua transparência, por que ela também não estaria infiltrada na obscuridade comum de varas, fóruns e tribunais?
Em suma, a contaminação política das decisões judiciais é notória. É péssima para a democracia, uma temeridade para o Estado de Direito e põe em risco liberdades individuais que, depois de tantas e sucessivas ditaduras implantadas na história da República brasileira, pareciam estar consolidadas. Uma coisa é certa: uma casta sem votos não possui autoridade para interferir tão veementemente sobre os destinos de uma nação.
*Demétrio Andrade – Jornalista e sociólogo