RN devolve mais de R$ 12 milhões de verbas para segurança por “incompetência”

Apesar dos altos índices de
homicídios no país e de a violência ser apontada como um dos principais
problemas pela população brasileira, estados, municípios e ONGs não conseguem
gastar toda a verba federal que recebem para a área de Segurança Pública.
Números da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), do Ministério da
Justiça, mostram que, nos últimos três anos, o governo federal recebeu de volta
R$ 135,35 milhões que havia repassado a estados, municípios e ONGs por meio de
convênios. Hoje, uma comissão de senadores visitará o presídio de Pedrinhas, no
Maranhão, onde 59 presos foram decapitados só em 2013.
Segundo a SENASP, as devoluções
têm três motivos. Dois indicam mau uso da verba: ou houve irregularidades no
projeto ou ele simplesmente não foi executado. O terceiro, ao contrário, aponta
bom aproveitamento do dinheiro: o projeto foi executado gastando menos do que o
previsto.

De acordo com a secretaria, não é
possível separar quanto estados, municípios e ONGs devolveram por terem
enfrentado problemas na execução dos convênios e quanto por terem conseguido
economizar. Mas foi em tom de reclamação que a titular, a secretária Regina
Miki, disse que todos os estados vêm devolvendo parte da verba nos últimos
anos. Em outubro, numa palestra, ela lembrou que o governo federal depende de
ações de governos estaduais e municipais para conseguir efetivar as políticas
na área de Segurança.
São Paulo foi onde governo,
municípios e ONGs mais devolveram recursos nos últimos três anos: R$ 23,3
milhões. Em seguida, vêm Rio Grande do Norte (R$ 12,08 milhões), Rio Grande do
Sul (R$ 7,9 milhões), Pernambuco (R$ 7,71 milhões), Rio (R$ 7,71 milhões),
Paraná (R$ 7,68 milhões) e Amazonas (R$ 7,52 milhões).
No Rio, foram devolvidos R$ 3,1
milhões em 2011, R$ 461,9 mil em 2012 e R$ 4,14 milhões em 2013.
Segundo o Ministério da Justiça,
os R$ 135,35 milhões devolvidos se referem a todos os convênios na área de
Segurança, o que abrange o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania
(Pronasci), o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e outros. Isso inclui,
ainda, parcerias firmadas em anos anteriores, mas cujos recursos foram
devolvidos só em 2011, 2012 ou 2013. O levantamento também inclui municípios e
ONGs pois, diz a Senasp, “não há como separar esta informação nos sistemas”.
Mas, desde 2011, já não são feitas parcerias com ONGs.
De acordo com o ministério, são
muitos os motivos alegados para a devolução. Um deles é o início tardio da
execução do convênio por problemas na estrutura administrativa. Também há
falhas nos processos licitatórios. Em outros casos, falta pessoal capacitado,
ou o quadro de funcionários é incompatível com a demanda. Outro motivo possível
é aquisição de bens ou serviços a custo menor que o previsto.
Os R$ 135,35 milhões devolvidos
seriam suficientes para cobrir os gastos com programas importantes em Segurança
Pública. O dinheiro cobriria, por exemplo, a maior parte das despesas da Senasp
com a aquisição de 38 scanners veiculares usados no combate a contrabando,
tráfico de drogas, de armas e de pessoas, a serem doados a todos os estados. O
custo da compra ficou em U$ 66,5 milhões (R$ 159,6 milhões). Os valores
devolvidos também seriam suficientes para construir três presídios federais
como o previsto para Brasília, estimado em R$ 38 milhões.
O sociólogo da Universidade de
Brasília (UnB) Flávio Testa, também professor da Fundação Getulio Vargas (FGV),
diz que o mau uso das verbas não é culpa só de estados, municípios e ONGs.
Segundo ele, o governo federal tem sua parcela de culpa.
—Há muita burocracia por parte do
governo federal. Os controles, não que sejam muito rigorosos, mas são
burocráticos demais. E há um jogo político. Quando você tem muitas exigências
burocráticas, acaba perdendo prazo. E, evidentemente, há também, por parte dos
estados, certa negligência no preparo de suas equipes para negociar a liberação
de recursos. O governo federal deveria cobrar dos estados mais efetividade.
Além das dificuldades para gastar
os recursos, em alguns casos também foram detectadas irregularidades. De
janeiro de 2011 a setembro de 2013, a Controladoria Geral da União (CGU) fez 12
tomadas de contas especiais em repasses do Ministério da Justiça. Ao todo,
segundo a CGU, estados e municípios terão de devolver à União R$ 7,3 milhões.
Outras 3 inspeções, estas em convênios com ONGs, apontaram irregularidades de
R$ 3,6 milhões.
Mas não só os estados têm
problemas para aplicar os recursos. O governo federal também executa pouco do
orçamento. Dados oficiais mostram um orçamento total de R$ 32 bilhões para
ações de Segurança entre 2011 e 2013. No mesmo período, incluindo valores
liberados em anos anteriores, mas que ainda não tinham sido pagos, foram gastos
R$ 14,1 bilhões — ou seja, menos da metade.
— Do jeito que está não funciona.
Acho que a Senasp tem uma dificuldade imensa de entender o Brasil, de fazer um
planejamento estratégico e negociar com os governadores um plano estratégico de
Segurança Pública — diz Testa.

O Globo
Postado em 14 de janeiro de 2014