Zika vírus foi confundido com dengue e chikungunya por dois anos, aponta estudo

O zika vírus não chegou ao Brasil na Copa do Mundo de 2014, nem em uma competição de canoagem realizada no Rio de Janeiro em agosto daquele ano, como se pensava. O vírus veio de avião e desembarcou em solo brasileiro em algum momento entre maio e dezembro de 2013 – possivelmente durante a Copa das Confederações –, segundo um novo estudo publicado nesta quinta-feira (24) na revista “Science”. 
Para chegar a essa conclusão, um grupo de cientistas do Brasil, dos Estados Unidos e da Inglaterra comparou sete sequenciamentos do genoma do vírus circulante no Brasil, a partir de amostras de diferentes perfis. Conforme mostrou o jornal “O Estado de S.Paulo” em reportagem publicada no domingo (20), a comunidade científica internacional está organizando uma força-tarefa para obter o maior número possível de sequenciamentos do genoma zika vírus a partir de amostras variadas. 
A nova pesquisa é o primeiro resultado desse esforço coletivo global.

O grupo, liderado pelo virologista Pedro Vasconcelos, diretor do Instituto Evandro Chagas, analisou amostras coletadas em diferentes Estados de pacientes com diferentes quadros clínicos de zika: quatro pacientes que foram infectados sem maiores consequências, um paciente que recebeu sangue contaminado em uma transfusão, um caso de morte de um paciente com lupus e um bebê que nasceu com microcefalia e malformações congênitas. 

 De acordo com Vasconcelos, foi encontrada pouquíssima variabilidade genética entre essas várias cepas. “Isso indica que o zika foi trazido ao Brasil em uma única leva. É fortemente provável que o vírus tenha chegado ao Brasil durante a Copa das Confederações, que aconteceu entre junho e julho de 2013. Esse período se encaixa no intervalo de confiança determinado por nossos resultados, além de coincidir com o auge da epidemia na Polinésia Francesa”, disse Vasconcelos ao “Estado”. 
Os dados filogenéticos obtidos pelo grupo de cientistas foram cruzados com informações epidemiológicas e com dados de viagens a partir de países que tiveram surtos a partir de 2012. Com isso, os pesquisadores constataram que a chegada do vírus coincidiu com um aumento de mais de 50% nas viagens feitas dos focos de epidemias para o Brasil, saltando de 3.775 por mês no começo de 2013 para 5.754 um ano depois.

“O aumento de viajantes daquela área foi muito considerável, principalmente porque a Copa das Confederações teve a participação da seleção do Taiti, que fica na Polinésia Francesa que atraiu turistas daquela área. 

O time jogou em Belo Horizonte, no Rio de Janeiro e em Recife. Coincidentemente, foi em Recife que tivemos o maior número de casos de zika e também de microcefalia”, afirmou Vasconcelos.

Embora tenha chegado ao Brasil entre maio e dezembro de 2013, casos de zika só foram detectados no País a partir de maio de 2015. Para Vasconcelos, a demora para a detecção provavelmente foi decorrente de diagnósticos errados. 

“Para entender essa demora basta lembrar que a dengue a chikungunya têm um quadro clínico muito parecido com o do zika e a maior parte dos pacientes não fazem exames. Por mais de um ano o zika deve ter avançado por vários Estados enquanto era diagnosticada clinicamente como dengue ou chikungunya”, declarou.

Segundo o cientista, o vírus circulante no Brasil é geneticamente idêntico ao que causou epidemias nas ilhas do Pacífico em 2013 e 2014. Para Vasconcelos, não restam dúvidas de que o zika veio para o território brasileiro a partir da Polinésia Francesa – único outro país onde foi registrado aumento dos casos de microcefalia. 

 A genética do vírus, a coerência temporal da dispersão pelas ilhas do Pacífico, do evento esportivo e do aumento do fluxo aéreo são fatores que, somados, dão uma força muito grande aos achados. Não se trata mais apenas de uma hipótese”, disse.

Embora tenha desvendado a trajetória do vírus no espaço e no tempo, o estudo ainda não estabeleceu a relação causal entre o zika e a microcefalia. A análise do genoma do vírus extraído do bebê com microcefalia revelou oito mudanças em aminoácidos que compõem o código genético viral. Mas essas mutações são “sinônimas”, isto é, não alteram a estrutura das proteínas responsáveis pela patogenia do vírus. 

 “Para confirmar se essas mutações têm relação com a ocorrência de casos de microcefalia será preciso fazer estudos em modelos experimentais, comparando o genoma de uma cepa que tenha essas mutações a outra que não as tenha”, explicou Vasconcelos.

Segundo o cientista, o estudo tem limitações por comparar apenas sete sequenciamentos. 

“Ainda temos poucas amostras. Com elas, conseguimos desvendar a origem e o período de introdução do vírus. Mas todos os sequenciamentos estão disponíveis para estudos de outros pesquisadores, que poderão estudar se as mutações descobertas são suficientes para causar os problemas de má formação congênica”, afirmou. 
De acordo com Vasconcelos, quanto mais cepas variadas do zika forem sequenciadas, melhor será a compreensão sobre a virulência do vírus. “Os dados genômicos também abrem perspectivas para o desenvolvimento de novos métodos diagnósticos, para a modelagem de novas drogas e para a produção de vacinas.”
 
*Estadão
Postado em 25 de março de 2016